Resenha – Suíte Tóquio

A trama de Suíte Tóquio inicia de forma bem clara e direta. Acompanhamos um dia comum na vida da empregada Maju, levando a filha da sua patroa, Cora, para sair. No entanto, tudo muda de figura quando ela, ao elucidar seus pensamentos, demonstra que irá fugir com a menina, para ter uma filha que nunca foi possível. Ao mesmo tempo, de forma entrelaçada, a mãe de Cora, Fernanda, vive sua realidade também comum, porém começa a perceber algo de errado devido a demora da empregada e da criança. Assim, se inicia uma espécie de jogo de reflexão das duas personagens para entender os motivos que levaram até ali.

Com pouco mais de 200 páginas (205 para ser exato), a escritora Giovana Madalosso faz sua narrativa perpassar sempre por dois pontos de vista, necessários para a construção psicológica das duas protagonistas. Esse é o principal ponto a ser acompanhado pelo desenrolar dos acontecimentos. Mas é curioso que toda a crítica proposta encontra-se já nessa base que o livro irá desenvolver, já que a maior parte da trajetória de Maju está no presente para acompanharmos, enquanto de Fernanda fica em memórias distantes. Enquanto a empregada precisa recorrer a viver todos os dias, saber como se sustentar a todo momento, sua patroa pode se dar o luxo até de viver em um passado que acabou nunca se construíndo.

Porém, isso decorre de ser apenas uma mera correlação, já que Suíte Tóquio está presente realmente nas camadas que a narrativa vai ganhando. O medo é algo, por exemplo, que perpassa a vida das duas. Medo de ser feliz, de se arriscar, de conseguir algo que realmente traga um frescor. Em uma parte da obra, vemos Fernanda abordando um relacionamento lésbico que teve e passa a ser algo frontal em sua vida, já que o casamento parece algo quase passado, retrógrado. Ela também sustenta financeiramente a casa, o que gera um fardo sobre expectativas nessa relação.

Do outro lado, Maju sempre foi uma pessoa de cabeça abaixada, pronta para aceitar tudo que a vida a trouxe. Seu único caso amaroso tornou-se uma verdadeira ferida de amargura, que a torna uma pessoa necessitada. É através dessas necessidades das protagonistas que Madalosso vai consolidando cada elemento da história. Elas precisam de algo que muitas vezes nem sabem o que realmente é. Ao serem confrontadas diretamente por isso, sempre se sentem acuadas. É como se, a todo momento, a realidade de ser mulher batesse na porta e elas tivessem que simplesmente continuar aceitando toda a imposição social. E isso é trabalhado de formas diferentes dependendo da classe social, como é mostrado no livro.

Toda essa criação psicológica de personagens femininas lembra bastante algo feito por Clarice Lispector no conto Amor. Nele, a revindicação e percepção do amor próprio pela protagonista a torna alguém embasbacada sobre o mundo que abre ao redor. Aqui, podemos perceber uma conexão do pensamento das duas quase de forma contrária. Esse amor vai se esvaziando aos poucos por toda a vida que está imposta. E isso vai transformando o livro em uma obra que não traz respostas, mas apenas questionamentos para o futuro. Afinal, será que realmente ambas irão se livrar do fardo que toda a vida trouxe até ali?

A tal suíte do título ainda reverbera esse lado social também onipresente na narrativa, sobre os espaços urbanos. Afinal, o local é o famoso quarto de empregada, ainda presente em diversas construções de prédios e casas – sejam antigos ou novos – de bairros de classe média e alta. Há um elemento de racismo onipresente nesse local, mas que a escritora acaba por deixar como um elemento que faz parte desse cosmo. Ele, todavia, repercurte todo um mundo de confronto de classes que se torna um confronto de narrativas durante as páginas.

Em Suíte Tóquio, Giovana Madalosso constrói a história de vidas possíveis e do que elas se tornaram. No grande clímax, em vez de vermos uma possibilidade da confrontação dos acontecimentos, acabamos nos deparando com a forma que a vida pode levar a determinadas coisas. Ao fim de tudo, é nesse espécie de brincadeira crítica dos pontos de tangência entre Maju e Fernanda que tentamos entender o mundo ao nosso redor. Diretamente, a autora não deixa nada explícito sob um viés da análise, porém a visão das personagens torna isso mais direto. No meio disso tudo, uma nova vida que está se desenvolvendo – que, no caso, é Cora – e traz apenas a possibilidade da perpetuação de tudo isso.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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