Resenha – The Car (Arctic Monkeys)

As duas primeiras frases de “Star Treatment”, que abre o agora penúltimo disco do Arctic Monkeys, Tranquility Base Hotel & Casino, são as seguintes: Eu queria ser um dos Strokes, agora olhe a bagunça que você me fez fazer. Olhando em retrospectiva, o álbum, de quatro anos atrás, representou uma grande mudança na banda britânica. Antes, era comum ver o grupo, entre suas diversas fases, sempre em um visual setentista, altamente largado. AM, de 2013, representou uma primeira quebra, com uma pegada menos indie e mais classic rock. Porém, parece que Alex Turner e companhia continuaram olhando para trás.

Se compararmos com o The Strokes, banda citada na canção, vemos um caminho reverso. Menos o pop-rock com pitadas eletrônicos que fez o grupo cair no ostracismo no início dos anos 2010, e mais a levada que fez eles hitarem novamente. The New Abnormal, de 2020, representa a eclosão disso tudo. Ou seja, dois anos após o lançamento de Tranquility, dois caminhos extremamente diferentes. Será que, atualmente, os macacos do ártico ainda queriam ser um dos Strokes?

O agora novo CD do Arctic Monkeys, The Car, demonstra que a resposta parece ser não. Se o álbum de 2018 tinha uma pegada quase jazzística e rememorando bandas de um rock mais clássico, caso do U2, isso é elevado ainda mais por aqui. Se você aguardava a bateria pesada, guitarras distorcidas, solos, um vocal gritado e um baixo agressivo, junto de uma personalidade de palco que mistura blasé, não vai encontrar nada disso nessas novas 10 canções dos britânicos. Ainda mais jazificados, por assim dizer, a abertura com “There’d Better Be a Mirrorball” demonstra as cartas que serão exibidas nos ouvidos da audiência. Podendo ser claramente escutada em um filme de romance ou durante uma janta em um restaurante chique. Nessa levada, tudo anda apenas nessa trajetória.

Mas o espaço não está apenas reservado para o psicodélico, a lá The Beatles, ou até mesmo para o esquecimento de suas origens. Até por isso, a escolha da sequência com “I Ain’t Quite Where I Think I Am” mistura várias dessas influências, porém sem perder a essência de um jazz contemporâneo visualização do quarteto. Aliás, lembra muito alguma canção perdida do último trabalho de Jon Batiste, WE ARE, que venceu o Grammy.  Mas, como tudo é passageiro, “Sculptures Of Anything Goes” e “Jet Skis On The Moat” retomam o tom buscado em Tranquility Base, misturando o soturno e magnetismo.

Depois de uma metade praticamente perfeita, que se fecha com o futuro clássico do Arctic Monkeys “Body Paint” (quase uma epopéia, junto a canção título do álbum anterior, de tudo que a banda quer trabalhar e falar nessa nova fase), temos um ‘lado b’ menos marcante. Apesar de abrir com a complexa “The Car”, saída de qualquer disco de rock dos anos 60 e 70, “Big Ideas” reflete o pior desse momento atual. Um tanto quanto preguiçosa, é uma música mais perdida, que em nada parece ser de tudo que o grupo fez em toda a carreira – e isso, claro, negativamente. O mesmo pode ser dito da cansativa “Hello You”, no qual o pop é abraçado de vez.

A capa de The Car

“Mr Schwartz” e “Perfect Sense” fecham The Car. Duas boas músicas e que, no entanto, também parecem mais perdidas por ali. Assumem ainda mais um caminho menos da mistura do rock com o jazz, para ficarem apenas nesse segundo estilo. Ainda tentando soar mais épicas – a segunda conta até com violinos -, ambas soam como uma busca de Alex Turner e companhia de alcançarem um pop de estádio, e fugirem de um público tradicional da banda. Não é nenhum julgamento de valor nessa frase, apenas um apontamento de caminhos.

Nesse sentido, retomo o questionamento do início do texto: será que, atualmente, o Arctic Monkeys ainda queriam ser um dos Strokes? O caminho visualizado demonstra como os dois grupos ocupam caminhos reversos no cenário atual da música independente. Mais uma vez, não é nenhum julgamento, apenas com escolhas. Se até 2010 as duas representavam uma espécie de basteão do indie rock, e responsáveis pela sua popularização em todo o cenário do pop e dos festivais naquele período, agora as duas olham para estradas separadas. Uma, buscando novamente o público que sempre gostou do estilo. A outra, através de olhares novos no horizonte. Alex TurnerNick O’MalleyJamie Cook e Matt Helders soam como maduros e audaciosos em arriscarem tanto assim. Se é ruim para alguns fãs mais antigos, para quem gosta de música é um prato cheio.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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