Crítica – Ratched (Primeira Temporada)

Louise Fletcher se eternizou na história do cinema ao interpretar a enfermeira Ratched em “Um Estranho no Ninho”, considerado um dos maiores filmes já feitos na história, colecionador dos cinco grande prêmios do Oscar (Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz, Direção e Roteiro) e selecionado para preservação pela Biblioteca do Congresso Americano por sua relevância cultural. Muito disso se deve, é claro, aos talentos de Jack Nicholson e do brilhante romance de Ken Kesey, mas o que dá ao filme seu status de lenda é sua vilã: a maquiavélica Ratched. O que a torna uma vilã tão ameaçadora é exatamente sua humanidade: encontrando em sua posição de trabalho uma forma de controle, autoridade e castigo.

Listada como a segunda maior vilã do cinema pelo American Film Institute, Ratched finalmente tem sua história própria contada pelos olhos de Ryan Murphy. Aqui, o criador mais produtivo de Hollwyood traz sua musa Sarah Paulson na pele da enfermeira. É 1947 e Mildred Ratched chega ao Hospital Lucia, na Califórnia, procurando por um emprego. Notório por seus inovadores e perturbadores métodos experimentais, o centro psiquiátrico também atrai muita atenção da mídia e do governo por receber um notório assassino como paciente. Embora Mildred tente se apresentar como um exemplo perfeito de mulher e profissional, ela logo descobre que não é a única que possui segredos e planos ecoando nas paredes daquele lugar.

Desde o sucesso de Nip/Tuck e Glee, Ryan Murphy é um dos maiores criadores da televisão americana. Dificilmente um ano se passa sem que uma produção dele não esteja na boca do público, e isso acaba trazendo também um senso de familiaridade que pode agregar ao resultado final um gosto doce ou amargo. Em Ratched, tudo grita Ryan Murphy: as cores vibrantes, os rostos conhecidos que costumam fazer rodízio em suas obras, artifícios de narrativa e o tom dos diálogos. A repetição desses elementos nunca é um problema em si, mas aqui tudo parece estar no automático. Não são recursos que servem à narrativa, parecem estar apenas flutuando pela história conforme ela avança.

Ratched (2020) - filmSPOT

Essa sensação de estar sempre no raso se mantém presente durante todo este primeiro ano. Mesmo após a revelação das motivações e dos passados dos personagens principais, não há um senso de propósito ou desenvolvimento nos eventos que se sucedem e muito menos nas figuras que carregam a trama. Narrativas que fogem de um ritmo ou jornada convencional são muito bem-vindas e necessárias, mas se a proposta oferecida é mostrar a origem da personagem, o que acontece de fato é bem diferente. Não há uma construção do caráter ou da história pessoal de Mildred, apenas a transportam para épocas e cenários diferentes. Aliás, uma das grandes decepções da série é que a Ratched de Paulson (por mais comprometida que a atriz esteja, sempre entregando uma atuação convincente e assombrosa) nada lembra a personagem original, exceto por nome e profissão. São personagens distintas, que carregam crimes e maldades diferentes, que deveriam dialogar entre si e simplesmente não o fazem.

No entanto, há também muito o que se elogiar. As cenas de tensão são muito bem dirigidas, contando novamente com o auxílio de Mac Quayle na trilha sonora, colaborador frequente de Murphy. A fotografia, de maneira semelhante ao que foi feito em Feud, usa bem os filtros saturados e cores vibrantes na reprodução dos anos 1940, seja no figurino mais simples, como o das enfermeiras, ou mais luxuoso, como a da personagem de Sharon Stone. Os suntuosos cenários do hospital, do hotel e das praias californianas também se destacam. Há uma faca de dois gumes na questão do elenco. A falta de um foco narrativo não permite que nomes como Sophie Okonedo, Alice Englert, Judy Davis, Cynthia Nixon e Rosanna Arquette deem o melhor de si aos seus personagens, por mais curta que a participação seja. Quem mais se aproveita e se destaca nisso é Davis, na pele de Betsy Bucket, enfermeira-chefe no hospital e portanto rival de Mildred.

É indiscutível que Ratched tenha um valor de entretenimento imenso, certamente será uma maratona muito divertida. A produção oferece atuações inspiradas, sucessivas situações absurdas e aterrorizantes (como o depoimento do Dr. Hanover sobre seus erros do passado) e um impecável senso de estilo estético e cinematográfico. É uma pena que nada disso consiga salvar a produção de um grande senso de ausência. O sentimento de que algo maior está por vir e vai fazer com que tudo faça sentido sempre ameaça chegar, mas nunca vem.

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