Resenha – Tudo é Rio (Carla Madeira)
Retratar a realidade de forma nua e crua é algo até bastante constante na literatura. Ela é uma forma de traduzir o que, em muitos casos, é um tabu, mas pode se transformar em ponto central de discussão na sociedade. O poder da arte, no geral, é de realmente trazer isso a tona. E dentre as obras que já podemos dizer que se transformarão em clássicos da literatura brasileira está Tudo é Rio, de Carla Madeira. Se tem uma coisa que essa produção está atrás é quebrar qualquer tipo de dúvidas sobre questões da nossa sociedade. Mas de uma forma nada sútil, e sim com muita força e impacto.
E para traduzir isso, Madeira conta uma história dupla, mas que vai se juntando ao longo do tempo. A primeira é sobre a formação e solidificação ao longo do tempo do casal Dalva e Venâncio. Eles que, entretanto, acabam se transformando por completo depois de uma tragédia abalar o relacionamento dos dois. Além disso, os cíumes constantes de Venâncio aumentam ainda mais a complexidade do relacionamento. E no meio desse caminho entra Lucy, uma prostituta jovem, que sempre teve o sonho de ser desejada e se utiliza do sexo para isso. Assim, eles formam um grande triângulo amoroso, mas que acaba sendo menos romântico e mais intenso.
É complexa realmente a forma como a autora trabalha esses personagens. Toda a primeira parte da obra (são 200 páginas na nova edição da Record) buscam sempre um elemento de estranheza que cerca todos os acontecimentos. Dessa forma, mesmo que tudo esteja bem – uma sequência do aniversário de Dalva quando nova mostra bem isso -, alguma tragédia pode acontecer. Só que não são apenas tragédias em termos de mortes ou algo mórbido, e sim perpassando por todas as possibilidades de destruição das relações. É justamente esse o ponto principal que Tudo é Rio acaba trabalhando, mas buscando gêneros como o erótico e o suspense para isso.
Desse jeito, Carla Madeira consegue buscar realmente com o leitor uma construção do olhar pela narrativa. Se, inicialmente, podemos ter apenas uma visão de julgamento direto desses personagens, como em todo o escopo do passado de Lucy e o desenvolvimento da sexualidade com o tio, futuramente quase compreendemos eles. A união das histórias transforma o livro em um grande ciclo de acontecimentos que podem se repetir em qualquer lugar. Porém, Madeira pouco está atrás de querer buscar julgamentos morais sobre isso, e sim apenas em busca trabalhar como o público vai olhar para essas relações.
É realmente uma obra que nunca vai tratar tudo de forma indireta. Há uma busca constante por esse discurso personalista, que vai usar bastante a primeira pessoa, para trazer os debates de frente. Assim sendo, por exemplo, as cenas de sexo são realmente colocadas com os maiores detalhes possíveis, assim como aquelas que trazem alguma questão relacionada a raiva (a tragédia do casal). Esse universo está sempre conectado pelo puro, direto, sem amarras de nada, o que traz realmente elementos que vão trazer debates mais profundos para com o livro. No entanto, essa parece ser realmente a busca da autora.
Em Tudo é Rio, tudo, literalmente, flui. Pode ir, pode voltar, mas vai se modificando e ganhando outros contornos ao longo do tempo. Carla Madeira usa uma trama, que poderia até soar simplista, para buscar como essa tragédia nacional está em todos os ambientes possíveis. Ela vai desde um lado mais econômico da coisa, até uma conexão com o passado dos personagens. Ao fim, aparece o questionamento: e como podemos sobreviver com isso? Bom, nem mesmo Dalva, Venâncio ou Lucy sabem. Eles estão atrás da eterna busca em descobrir.