The Last of Us e a poesia visual

É sempre complicada a relação entre um filme mudo e seu público. Isso é ainda maior quando ele é transportado para os dias atuais. A audiência relacionada ao cinema se distanciou da apreciação da imagem ao longo do tempo, aproximando-se dos sentidos mais de fala ou dos cortes comuns em produções de ação. Trata-se não de uma crítica, mas um reflexo dos tempos atuais. Com isso, quando existe algum experimento cinematográfico que busca um filme mudo e com temas tão contemporâneos, esse deve ser observado com maior cuidado. Ainda mais quando o mesmo vem da Tunísia.

The Last of Us (não é o jogo) possui uma premissa realmente única e bem direta, com uma história totalmente narrativa. Um homem busca fugir de seu país realizando uma travessia ilegal. Porém, seu plano acaba por não dar certo e ele se vê obrigado a seguir um novo caminho, onde ele irá encontrar uma nova jornada peculiar e se entender novamente.

É possível ver aqui um debate claro sobre a questão dos refugiados, visto que o protagonista N (interpretado por Jawher Soudani) passa pelas situações mais complicadas possíveis. E é aí que se encontra o grande triunfo dessa obra e toda a poesia visual que dá título a esse texto: sua utilização das imagens. O longa não é nem um pouco experimental dentro disso – apesar de flertar com essa ideia o tempo inteiro -, mas com uma trama que segue a risca um sentido. Isso traz até uma certa familiaridade e apoio com o grande público, visto que não é nem um pouco complexo ou difícil de ser entendido.

N possui uma jornada complexa e cheias de momentos difíceis. Todavia, seu senso de buscar um ideal nunca é perdido. Ele busca o tempo inteiro sair da situação em que está, lutando contra todos os obstáculos que encontra pela frente. Em uma das sequências mais agoniantes, o personagem está dentro de um buraco no chão em que existe uma estaca lhe perfurando. A cena poderia facilmente focar na busca dele de sair dessa situação, mas o foco está mais na imagem, ou seja, toda a construção do público sentir a complicação daquele lugar, a agonia da situação em que ele está.

Tudo isso ainda possui uma relação intrínseca com a trilha sonora de Tarek Louati e a direção incrível de Ala Eddine Slim, em seu primeiro trabalho. A primeira consegue misturar um elemento mais psicodélico com um “quê” da cultura africana, com tambores e batidas bem fortes – elemento que só adiciona à construção de tensão eminente. Já a segunda está atrelada diretamente à condução sempre com a câmera subjetiva perante ao protagonista da história. O objetivo é sempre acompanhá-lo e fazer quem assiste se atrelar nas suas ações e nos seus acontecimentos. Isso ocorre pela necessidade da audiência se relacionar com ele, como a única condução do enredo.

É importante dizer como esse trabalho só seria possível se realizado fora do âmbito estadunidense, onde a indústria cinematográfica é totalmente focalizada em longas menos diferentes. Óbvio que isso não é uma regra geral, pelo fato de que existirem sim muitas produções americanas autorais que apresentam grande originalidade, porém é inegável perceber que um cineasta iniciante só conseguiria realizar um trabalho tão único fora do âmbito comum do cinema mundial. Ainda mais por vir da África, um fator que gera maior orgulho e identificação.

O diretor Ala Eddine Slim.

Em um mundo na qual as imagens parecem perder seu espaço para coisas cada vez mais mirabolantes, The Last of Us se torna um filme único para a sétima arte. Não é uma obra prima, mas a sua visualidade e as suas quebras de expectativa nos diálogos geram algo difícil de ser esquecido tão fácil. O que é bom, visto que as são as imagens que realmente acabam tocando e ficando em nossas cabeças.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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