The Umbrella Academy e o tempo como fator narrativo

Existe uma busca pela construção de uma linguagem bem própria em The Umbrella Academy, nova aposta da Netflix que agora mergulha na adaptação de quadrinhos. Isso é comprovado por toda a estilização que a série traz, que ainda que seja clichê, tenta se pautar como o DNA desse universo, que apresenta uma complexidade desnecessária. Na história, vemos a reunião dos seis irmãos Hargreeves. Após anos separados, eles se encontram outra vez após o falecimento do patriarca da família, um magnata responsável pela construção de uma escola preparatória para jovens heróis. No entanto, a morte pode estar relacionada à perseguição que o grupo anda sofrendo e até mesmo com o fim do mundo. Com isso, percebe-se um sentido bem claro de funcionamento do mundo, pautado por poderes, criminalização e personagens depressivos. Mais comum impossível, não é? Pois então.

A grande busca narrativa dessa transformação da ideia pessoal da trama em uma linguagem se pauta pelo Número 5 (Aidan Gallagher), personagem capaz de viajar no tempo. O desenrolar dos acontecimentos é apresentado em uma visão que busca debater essa temporalidade, principalmente através das relações da família no passado e no presente. Cenas de flashback, como as que estabelecem a conexão amorosa entre Luther (Tom Hopper) e Allison (Emmy Raver-Lampman), acabam sendo fundamentais para o mínimo de desenvolvimento dentro do roteiro. Apesar disso, alguns dos irmãos parecem simplesmente servirem mais como caricaturas do que apresentando personalidades, gerando sempre uma coerência em cada um dos episódios.

O tempo ainda é uma questão pertinente dentro da trama maior sobre salvar o mundo – outro clichê extremamente confuso na temporada -, criando uma subtrama deslocada entre o Número 5 e The Handler (Kate Walsh). Entretanto, é nesse instante que abre um espaço para o grande ápice de toda a série até aqui, na qual assistimos o mesmo episódio sob uma perspectiva de retorno do tempo. “O Dia que Não aconteceu” se pauta em uma quase catarse emocional de boa parte dos personagens, praticamente aceitando o fim da vida e abraçando pontos nunca resolvidos previamente. Todavia, a volta no tempo e “O Dia que Aconteceu” é quase o oposto, quando esses personagens confrontam seus próprios erros na vida e o fato de não saberem o que fazer nesse mesmo final do mundo.

A obra ainda tenta explorar um sentido bem crasso do gênero de heróis de uma perseguição sem fim. Hazel (Cameron Britton) e Cha-Cha (Mary J. Blige) se relacionam também à narrativa principal de fatalidade, apesar de serem sempre postos de forma aleatória. O final de “Comum (só que não)” é um claro exemplo disso, na qual os dois aparecem de uma maneira a simplesmente fazer o uso de uma estilização, com músicas de sucesso e câmeras lentas. Em relação a esse estilo, inclusive, se lembra muito toda a ideia conceitual de Zack Snyder para o universo de poderes, principalmente em Watchmen. Essa insistência com ambos os personagens corrobora em um fim de uma total exploração de amizade e confusão entre os dois, porém sempre perdidos dentro de tudo.

Todo esse trabalho de uma brincadeira com o gênero de heróis não é uma novidade, apesar do seriado se pautar como algo realmente inovador, em até uma certa pretensão. Mesmo assim, até se cria uma funcionalidade do ambiente com o uso constante de piadas que brincam com a própria continuidade narrativa (falando sobre o vício de Klaus em se anabolizar sempre, por exemplo). Isso serve mais de forma ao universo brincar da maneira que o mesmo se põe, algo na qual poderia ser bastante útil caso a trama não se pautasse em uma seriedade absurda. O problema gira em torno bem mais dessas brincadeiras soarem simplesmente como pontos, mas não de forma a ser a própria formação da produção.

A primeira temporada de The Umbrella Academy parece querer soar sempre maior do que realmente é. Em uma fusão de diversas tramas paralelas, os 10 episódios se tornam extasiantes e cansativos, possuindo uma confusão narrativa devido a um certo problema de foco. Apesar disso, a ironia com a própria série e o uso da ideia de temporalidade é usado de maneira bastante direta, dando uma continuidade ao conflito chave da obra. Dessa maneira, os personagens soam sempre perdidos nesse uníssono, aparecendo de forma mais fatídica quase de surpresa – Vanya (Ellen Page) o que o diga. O potencial não é alcançado nem um pouco. A tristeza não descreve apenas a sensação dos protagonistas, mas também a do público ao ver o andar da carruagem.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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