Crítica – Foro Íntimo
Ao focar nos prédios e nas construções, o diretor Ricardo Mehedff demonstra um olhar bem claro ao regimento de poder presente no judiciário. Essa ideia inicial é um pontapé para contar a história sobre um juíz acuado por criminosos durante 24 horas do seu dia. Ele, dormindo em seu escritório, não pode conviver direito com o mundo exterior e ainda precisa cuidar da segurança de sua família, não vivendo perto dele. O horror de viver quase em cativeiro é representado bem pela tensão e o barulho provocado pelas moscas. Foro Íntimo é um filme na qual busca retratar toda a problemática nas entranhas do poder judiciário a partir dessa visão.
A câmera de Mehedff acompanha o tempo inteiro o juiz Ferreira (Gustavo Werneck). Modificando planos bem fechados com outros mais abertos e até câmeras subjetivas, estamos sob sua pele em um contexto complicado. A ligação, logo nos primeiros minutos, de sua família, já o causa uma sensação de desespero. Ele é um personagem no limiar da tensão e da exaustidão emocional. O fato da perseguição de bandidos realmente acontecer a ele (percebemos isso bem pelos relatos dados ao telefone), faz com que o protagonista seja quase uma bomba relógio, vomitando a todo instante e sobre o receio de fazer qualquer coisa.
A direção de Ricardo, aliás, não tem medo de abrir seus planos para transformar esse personagem em uma engrenagem dessas estruturações. Essas na qual não são apenas vividas em um lado mais filosófico/legal, porém também através dos grandes corredores e grandes construções. O fato de acompanharmos um longa através apenas dessa ambientação já demonstram bem as intenções. Além disso, esse mesmo fato, causa uma tensão quase onipresente pelo motivo de não sabermos bem o que esperar a cada nova esquina. A sequência em que o personagem anda até o banheiro salienta bem esse sentido.
Apesar disso tudo, falta a obra um maior investimento em seu lado dramático. Ao se preocupar demais com a relação extra-campo – em tentar gerar os pequenos momentos com ligações, por exemplo -, não existe muito um investimento em como o juiz irá passar por tudo. Não é uma questão de ter esperanças para o futuro ou algo assim, mas sim em como poderá existir um investimento/empatia perante a audiência. Ele sofre por algo que sabemos muito pouco e, sendo assim, parecemos não temer por quase nada dele. Muitas pequenas situações acabam definhando pelo simples quesito de faltar essa correlação com a audiência.
Essa ocorrência ainda eleva mais a uma morosidade narrativa. São 74 minutos (cerca de 1h14min), tempo até relativamente curto, mas na qual passa mais lentamente do que deveria. Em certos sentidos falta um enredo maior para trazer todo esse destaque. Falta até uma certa relação política presente dentro da história, porém essa quase fica em segundo plano.
No final, Foro Íntimo se destaca bem mais pela sua proposta inicial do que realmente pelo seu desenvolvimento posterior. Ricardo Mehedff parece bastante apegado a uma proposta na qual exige um verdadeiro desenvolvimento de personagens e uma carga dramática mais onipresente. Ela já existe pelo simples fato de estarmos vivendo uma situação complexa da violência urbana no Brasil. Contudo, falta um aprofundamento desses termos para realmente existir um engajamento maior do público com toda essa intenção. Caso estivéssemos falando de um curta, talvez essa produção seria perfeita. Entretanto, estamos lidando com um longa, algo exigente em um maior olhar de mundo. A existência apenas com o preto e branco para a dramaticidade não é grande diferencial para formar uma obra única.