Crítica – Relatos do Mundo
Paul Greengrass, como todo bom autor, tem um estilo bem definido, esculpido por meio da franquia Bourne e o seus dramas baseado em casos reais, como Vôo United 93 e 22 de Julho. Câmera na mão, imagens tremidas, beirando o documental, são marcas registradas do cineasta britânico que, para bem ou para o mal, inspirou um sem fim de imitadores, especialmente no gênero da ação. Nesse sentido, Relatos do Mundo representa uma mudança de marcha para o diretor, que aposta em uma narrativa com ritmo menos frenético, mais próxima dos momentos voltados para o drama de 22 de Julho.
No longa, que se passa em 1870, o protagonista é o Capitão Jefferson Kyle Kidd (Tom Hanks), veterano da Guerra Civil pelo lado Confederado que agora ganha a vida indo de cidade em cidade lendo as notícias dos Estados Unidos. No caminho entre uma cidade e outra, ele encontra uma carruagem destruída, perto de um homem negro enforcado com um aviso contra a integração entre brancos e negros. Vasculhando o local com mais calma, ele encontra uma criança branca que só fala a lingua da tripo Kiowa, alguns documentos na área revelam que seu nome é Johanna (Helena Zengel). Após tentar entregá-la, sem sucesso, as autoridades que podem levar a menina para sua família, Kidd decide, a contragosto, levá-la para seus familiares.
Sim, é mais uma história de homem com ares paternais realizando uma grande jornada na companhia de uma pessoa mais nova, com quem irá criar uma dinâmica de pai e filho/filha durante as adversidades enfrentadas no caminho. Greengrass não quer reinventar a roda nesse sentido, e a relação entre os dois transcorre como se espera, com o estranhamento inicial aos poucos evoluindo para afeto.
Mas esse feijão com arroz é bem executado pelo diretor, se apoiando na ação para construir o carinho entre os dois. Já que a comunicação verbal é difícil, restam os atos, e é a atitude de Johanna durante um tiroteio que salva a vida dos dois, fortalecendo os laços entre os dois e confirmando que, apesar das dificuldades, eles podem confiar um no outro. Atitudes também marcam a relação dos personagens com o ambiente, algo sempre muito destacado no western, em Relatos do Mundo, muito da índole dos personagens é expressa pelo modo como eles se relacionam com a natureza. Uma cidade tomada por um líder abertamente racista, por exemplo, é um pesadelo industrial. Búfalos mortos marcam a entrada do local, que é tomado por uma densa fumaça dos fornos de carvão, com todo o cenário marcado por uma tonalidade de ferrugem, enquanto o impacto da dupla principal no ambiente é mínimo.
Se ver a relação dos protagonistas evoluir é interessante, a construção deles, enquanto indivíduos, é pouco inspirada. Próximo a conclusão do filme, existe uma busca pela catarse emocional do personagem de Hanks, relacionada a atos do seu passado, que não atinge o efeito desejado pois é algo pouco explorado durante a narrativa. As tensões raciais presentes naquele mundo sofrem do mesmo problema, já que o longa reconhece que elas existem e são importantes para aquele cenário, mas recebem um tratamento desinteressado que seria melhor, talvez, nem mostrar nada. Usar um corpo negro enforcado somente como cenário soa insensível, para dizer o mínimo.
É possível ver ecos de diversos filmes em Relatos do Mundo, recentes, como Logan, e de antigos, como Bravura Indômita, devido à trama de escolta de uma pessoa muito mais nova, com a novidade mesmo sendo o protagonista, um homem de palavras, não de luta. A produção de Greengrass poderia ser um pouco mais ousada em alguns momentos, mas prefere se apoiar no familiar. Funciona, mas o espaço para ser mais está ali.