Os 50 anos do disco que mudou tudo no rock dos anos 70
Devo admitir que uma das minhas maiores dificuldades é falar de discos que amo. Até porque aqueles que gostamos, parecem mais simples, mais tranquilos de serem discutidos, porém é extremamente complexo querer abordar questões que parecem além de um gosto natural. Esse é o meu caso ao comentar de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, de David Bowie. Lançado em 1972, quando eu nem sonhava em nascer, a obra me arremeteu em muitos aspectos na primeira vez que parei para ouvir. E faz isso desde então, nas sei lá quantas vezes que entrou em repeat nos meus ouvidos. Ao completar 50 anos desse CD, sinto que precisava, de alguma forma, colocar todo esse sentimento para fora. E nada melhor que fazer isso ao tentar traçar uma análise da sua relevância.
Relevância essa, inicialmente, em termos musicais. Afinal, Rise and Fall é um disco com o dedo da produção de Ken Scott – parceiro de Bowie durante bons anos -, e também nas diversas brincadeiras que ele é construído. Assim, em um rock bem puro, mas que não deixa de ser uma grande salada, ele consegue trazer um mix de guitarra, bateria, baixo, sintetizador e saxofone. Nesse sentido, é um trabalho primoroso na construção de um DNA próprio que faz sentido perfeito dentro da sequência das faixas. Essas, aliás, lembradas por contarem uma história, sempre traduzida pela musicalidade em conjunto com a forma como são interepretadas.
Bowie sabe ecoar tudo que está pensado ali de maneira primorosa. No disco, acompanhamos a história de um alienígena andrógeno que vem para salvar a Terra com uma banda de rock. Parece algo até meio simplista. E é. Porque esse é objetivo da construção do álbum, em traçar um personagem aparentemente simples como alguém que vai se tornando decodificado ao passar do contato com o planeta. Se na primeira música, em “Five Years”, ele evoca toda uma questão bem perene da cosmologia humana (a Igreja, as crianças sofrendo e tudo mais), esses pontos vão se perdendo aos poucos. Eles passam a dar lugar para uma vida pueril, com drogas, sexo a todo momento e sofrimento. Ziggy, o alter-ego do artista, vira humano.
É curioso como esses aspecto dentro das canções passa também para as apresentações. A banda que acompanhava David (os Spiders from Mars) tem papel fundamental na brincadeira de palco que era feita, em um grande teatro que inspira toda uma nova geração do rock no mundo inteiro no período. O cantor e performer não tinha medo das maquiagens, de ser “feminino”, em plenos anos 70. Era isso que chamou tanta atenção e fez Bowie se transformar em uma figura tão curiosa e cultuada. O palco era o espaço imaginativo e, ao mesmo tempo, um material de quebra de paradigmas.
O lado performático de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars acabou sendo o que foi mais lembrado depois desses 50 anos. E até faz bastante sentido, visto que ele foi extremamente revolucionário. Porém, é impossível não perceber a forma como essa grande mistura musical do rock na época (em um momento pós-Beatles e que o blues parecia ter sido deixado mais de lado no estilo) foi transformando a maneira como o gênero foi sendo entendido. Passando de um estilo com toda uma iconografia do country (a faixa de abertura), até mesmo chegar a um hard rock clássico (“Moonage Daydream”). Foi dentro dessa mistureba que o artista fez tanto.
Depois de todos esses anos e de ouvir por variadas vezes o disco, é impossível tentar criar alguma fórmula para como ele é um dos trabalhos mais importantes da música na história. De fato, é fundamental para apresentar David Bowie internacionalmente – é o primeiro grande impulsionador mundial da carreira. Também, é fato que colou para com o cantor uma imagem pelo qual ficaria marcado por toda a vida – de andrógeno e de sempre conseguir mudar nos estilos. E também, é fato que mudou a história do rock, especialmente a partir do nascimento de figuras e bandas que vão continua revolucionando a música desde então – Madonna, Prince, KISS, todo o hard rock oitentista. Além disso, The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars é uma obra-prima. Algo feito por um gênio, que conseguiu fazer outras obras-primas ao longo da carreira. O disco é a demonstração clara que se pode revolucionar tanto com tão pouco. Mas que também é possível revolucionar muito, fazendo mais ainda.