Cinema brasileiro nos últimos 20 anos: 2006-07 (Parte 5)

A quinta parte desse especial adentra em um momento ápice do nosso cinema nas duas últimas décadas. Mesmo após as dificuldades financeiras, o crescimento do número de produções chegava a níveis inimagináveis. De 46 em 2005, o final do ano de 2007 já registrava 78. Claro que a chegada aos três dígitos ainda demoraria um pouco mais, porém  era visível o papel relevante que as leis de incentivo a cultura representavam nisso.

No campo artístico, esses dois anos foram marcado por alguns filmes importantes, como: Serra da Desordem, Saneamento Básico, A Casa de Alice, Jogo de Cena, Se eu Fosse Você, entre outros. Porém, os dois maiores destaques fizeram, mais uma vez, o nome do Brasil uma grande fonte de comentários extremamente positivos em relação ao nosso audiovisual. E iremos falar deles agora.

O Céu de Suely

Estar na lista da Abraccine (Associação brasileira dos críticos de cinema) como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos já mostra o peso que o longa dirigido por Karim Aïnouz (que já havia realizado anteriormente Madame Satã) teve no cinema verde e amarelo.

O Céu de Suely trazia uma trama relativamente simples, mas que discutia muitas questões sociais relevantes em uma estética inovadora e de uma forma inesperada. Talvez isso seja uma das principais temáticas a se falar aqui: a seu formato trazia um frescor e algo diferente. Não é a toa que influenciou diversas outras obras internacionais que viriam em sua sequência.

Comentando sobre esse fator globalizante, é impossível não comentar que a estreia desse aconteceu no Festival de Veneza, uma das mais badaladas mostras de cinema mundial. Tendo recebido diversos elogios, era esperado o sucesso da crítica, algo que realmente aconteceu.

Falando sobre a obra, Aïnouz dá uma certa pista do que é mostrado em tela – em uma entrevista ao Cine Cachoeira -, mas discutindo mais o papel da arte como também documental:

“Cada filme é um documento do seu tempo. Pra mim o Madame Satã é um filme que foi concebido em 94 e filmado em 2001.Veio ao mundo cheio de raiva: a raiva do personagem, a raiva de eu estar num país aonde eu jamais me via fazendo cinema, tanto que eu fui embora do Brasil porque não tinha nenhum cineasta que não era de família rica, eu e talvez mais dois que não tinham grana ali. O ceu de Suely representa o começo da Era Lula, e aí me interessava muito falar daqueles nordestinos queforam pra São Paulo e retornaram depois. Eu acho que o Brasil em que eu filmei Madame satã e Océu de Suely era muito diferente do Brasil do Praia do futuro(2014) e do Abismo prateado(2011), que é muito diferente do Brasil de agora”.

Tropa de Elite

Não se pode comentar sobre o ano de 2006 e 2007 sem falar sobre talvez o maior expoente de público dos últimos anos, criando um personagem que marcou a história do cinema brasileiro. Sim, Tropa de Elite se tornou um marco cultural, um fenômeno muito maior do que se imaginava. Os fatores? São diversos possíveis de se falar. Porém, a edição frenética de Daniel Rezende (mais uma vez aqui presente), a direção quase documental de José Padilha (no qual também foi falado sobre um documentário dirigido pelo mesmo) e a atuação de Wagner Moura no papel principal, são os mais relevantes.

A alma narrativa do longa se encontra sob o peso do personagem Capitão Nascimento. Famoso em todo território nacional pelas suas diversas frases de efeito, ele representou uma categoria pouco debatida em seu âmago pela sociedade: a polícia. Mas não de uma maneira caricatural, mas sim muito mais complexo. Como disse Moura em um artigo para O Globo:

“Acho que o ‘Tropa’, além dos méritos artísticos que tem, talvez já seja o filme pós-retomada que mais suscitou debates, a começar pela questão da pirataria, exaustivamente discutida. E não vejo, no Brasil de hoje, debate mais importante do que violência e segurança pública. Segurança pública não tem mais a ver só com a tragédia das vidas que se vão por conta da guerra polícia-tráfico-com-moradores-no-meio. Tem a ver, por exemplo, com aumento de verbas para a Previdência e para a Saúde. E, quando falo de violência urbana, quero lembrar que se para nós, moradores da Zona Sul, maioria na sessão do Odeon, a chapa já tá quente há muito tempo, imaginem para quem não pode sair de sua casa por ordem de um traficante, quem tem que passar a noite no chão com medo de bala perdida, quem é esculachado e desrespeitado pela polícia, quem não pode falar com o parente da comunidade vizinha por ordem do poder oficial, ocupante do vácuo deixado pelo poder instituído que, por sua vez, vem historicamente negligenciando essas pessoas. Isso é um fato: as maiores vítimas da violência urbana no Brasil são os moradores das favelas, e o filme mostra isso.”

Não só em público – já que contou com quase 2 milhões e 500 mil telespectadores nos cinemas do Brasil -, mas a crítica elogiou diversos debates propostos pela película. Não é a toa, aconteceu a única vitória nacional no Festival de Berlim, quando, em 2008, recebeu o Urso de Ouro como melhor filme.

O que viria dali?

Após a realização dessas suas obras, o debate sobre o papel social do cinema voltava a ser relevante no território tupiniquim. Dali para frente, cada vez mais realizadores e cineastas se preocupavam com essa questão, já que a desigualidade se mostrava em níveis alarmantes. Porém, é importante relembrar como a América do Sul sempre buscou representar na sétima arte esse tipo de sentimento, tão presente no cotidiano. E isso nunca iria parar.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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