Crítica – A Viagem de Pedro

A primeira cena de A Viagem de Pedro traz um elemento fundamental que o filme vai discutir de forma veemente: o legado, a história, o passado. Através de uma simples indagação para a importância das estátuas, tão discutidas nos dias atuais, que podemos entender a forma como Pedro (Cauã Reymond) se observa nesse universo temporal. Ele fala com o filho – o futuro Pedro II, a qual deixa no Brasil para ir a Portugal – que ele não pode ficar isolado e se sentir solitário. A solidão é quase uma forma de morte para essa figura, acostumado com o muito pela Corte Portuguesa.

É através disso que podemos entender um pouco do jogo de transformações e características que o longa está buscando ao retratar, de forma profunda, um estudo sobre quem é Pedro I. Curioso perceber essa busca de olhar ao protagonista de forma extremamente complexa e quase indecifrável que Laís Bodanzky faz aqui, em sua primeira produção de cunho histórico. Apesar disso, segue preceitos realizados por ela ao longo da carreira, como Rosa em Como Nossos Pais e Wilson em Bicho de Sete Cabeças. Só que a direção dela aqui parece interessada em observar os elementos externos também que vão consolidar essa figura, como o caso dos relacionamentos sexuais e até mesmo sua falta de controle dentro dos comandados.

Em A Viagem de Pedro vamos acompanhar a trajetória de Pedro I rumo à Europa no ano de 1831. Mesmo comandando o Brasil, ele resolve ir até seu país de origem para lutar contra o irmão, que o tirou do reino em Portugal. Apesar disso, o ex-imperador não tem muitas certezas sobre o que está fazendo, se sentindo extremamente inseguro sobre esse caminho que deve trilhar. Ele entra na embarcação através de buscar se entender, acima de qualquer coisa.

Bodanzky trabalha de forma muito perene essa conexão do protagonista com outros personagens menores. Talvez os dois exemplos mais claros sejam as mulheres que perpassam esse caminho dentro da embarcação – em que o filme passa por completo, praticamente. A primeira sua filha, a quem pretende deixar o trono de Portugal. A segunda, Carlota Joaquina (Luísa Cruz), mãe de Pedro. Essas duas personas são importantes do desenvolvimento da narrativa psicológica explorada dentro da obra para com essa figura. Ele se vê sempre através de um olhar do outro e nunca de uma perspectiva realmente pessoal. Até que ponto, mesmo com o poder que tem, Pedro I realmente se vê como a figura que é colocada desde sempre? Por isso, a direção até aposta em um elemento mais contemplativo e de trazer mais visões para dentro das cenas (como, por exemplo, quando Lars bate na porta do quarto dele enquanto o imperador faz sexo).

O elemento central desse desenvolvimento é colocar em xeque e, ao mesmo tempo, compreender as formas de olhar para essa personalidade. Longe de buscar a todo momento encontrar respostas, a ideia é justamente ser praticamente confuso, complexo e bastante distante com o personagem principal. E é desse jeito que também vemos a sua representação se tornando algo esfacelado ao longo do tempo, como aquela estátua apresentada na cena inicial. Enquanto traz uma imponência e importância natural, também demonstra o peso do tempo, onipresente dentro dos questionamentos de Pedro.

É impossível também não destacar o elemento de construção micro para o macro pela figura do barco. Se estamos acostumados a ver o peso da realeza ao pensar imediamente em personas do tipo, há também um ponto central das diferenças existentes ali quase que “necessárias” para a manutenção de um status. Desse jeito, os escravos não são distratados nas cenas, por exemplo, mas aparecem com suas marcas e sempre buscando exacerbar a própria cultura. Da mesma forma, a realeza também mantém a forma como se observa, comendo coisas mais caras e chiques. É quase como se um microcosmo brasileiro fosse fundamentado ali, o que ainda eleva a maneira como iremos entender o protagonista.

A Viagem de Pedro é um filme até, de certa forma, bastante arriscado. Não por nada que, necessariamente, realiza, mas sim pela forma que pensa por si só. Pelo jeito que coloca algumas questões e um quase transtorno da personalidade, sem receio de querer trazer mais sobre as próprias falhas do protagonista, e os mesmos medos. Laís Bodanzky busca, acima de tudo, quase trazer o telespectador para um Brasil de outra época e tentar compreender as complicadas dimensões sociais que fundamentaram a figura que conhecemos como Pedro I. E é, assim, que parecemos nos ver mais nele do que nos afastamos.

Esse texto faz parte da nossa cobertura da Mostra de São Paulo 2021

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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