Crítica – Ângela
Entre as histórias mais trágicas do Brasil, uma delas é, sem sombra de dúvidas, a de Ângela Diniz. A então socialite que teve diversos problemas familiares e com outros homens, foi assassinado pelo então companheiro Raul Fernando do Amaral Street, mais conhecido como Doca Street. O caso ganhou uma repercussão midiática enorme pelo fato dos dois serem parte da elite econômica do Rio de Janeiro. Além disso, foi, muito provavelmente, o primeiro caso de feminicídio a ganhar as páginas dos jornais de maneira mais séria, mesmo que o julgamento tenha sido deveras problemático.
Por essa tragédia, o nome de Ângela sempre foi muito conectado com causas feministas. Não a toa, foi de um grupo de mulheres a defesa para que o assassino – que antes tinha tido uma pena de só 18 meses -, tivesse um julgamento mais justo. Assim, ele foi condenado posteriormente a 15 anos de prisão. Apesar da história posteriormente, é como se essa mulher tivesse perdido um pouco do que ela era e foi durante sua própria vida. Desse jeito, o filme Ângela tenta construir uma espécie de resgate, para a reconhecermos também como uma pessoa com desejos e vontades. E foca na relação do casal, que terminou de forma trágica.
Hugo Prata, que já havia feito o longa de ficção sobre Elis Regina, transforma a narrativa sobre uma mulher próxima de seus momentos finais em uma tragédia anunciada. É interessante como sua direção sempre reforça um olhar escondido, estranho, desde os momentos iniciais. Isso vai ganhando cada vez mais força quando a personagem principal (Isis Valverde) e Doca (Gabriel Braga Nunes) assumem o relacionamento. A câmera tremida e os muitos cortes quando os dois estão em cena fazem uma espécie de prenúncio para o público do que virá dali em diante. Desse jeito, o cineasta demonstra às claras as agressões e o comportamento abusivo de Raul.
É como que Ângela, apesar de querer construir uma outra vida para sua protagonista, acabasse entrando em um mundo de eterno sofrimento para a mesmo. Como se a vida dela se resumisse as agressões e a ser subjulgada pelo namorado. O filme pouco dá espaço, por exemplo, para momentos dela em separado, em uma espécie de celebração de vida – isso até acontece de forma mais intensa em uma sequência no forró, mas tratando também das consequências desse mesmo fato. Prata tenta fugir de fazer uma narrativa policialesca, de true crime, o que torna até sua própria história mais forte. Porém, falta verdadeiramente um carinho e compreensão com a mesma.
Apesar disso, a obra tenta absorver uma espécie de espírito do tempo, para servir de levantamento de discussões. É como se, através da encenação, fosse possível demonstrar a forma como as mulheres eram julgadas na época e também como acabavam servindo apenas aos homens. E, por ser alguém que buscava a própria vida e independência (a cena da conversa com o gerente do banco reforça bem esse aspecto), as violências se encaixassem nesse aspecto.
Ângela tenta ser menos um filme sobre resoluções e mais um levantador de questões, de discussões. Fica clara a intenção de Hugo Prata em buscar uma nova versão, uma nova vida na mídia para Ângela Diniz. O problema é que isso acaba decaindo em mesmos preceitos que o próprio longa abre para a crítica – especialmente ao mostrar de forma tão intensa as agressões e o crime em si. Nessa busca pela realidade crua e nua, talvez faltou uma maior delicadeza para com sua personagem.