Crítica – Cinderella
Recentemente, a Disney realizou diversos live actions buscando reacender clássicos das histórias infantis – que haviam sido feitos, em suma maioria, apenas nas animações. Malévola, de 2014, foi o grande percussor comercial de toda essa nova busca por parte do estúdio. No ano seguinte, Cinderela, comandado por Kenneth Branagh, era lançado e atraía olhares diversos. Com bons números pela crítica, mas uma certa negatividade perante o público, o filme acabou sendo até meio esquecido conforme o tempo passava. O mito da personagem dos sapatinhos parecia ter sido realmente deixado de lado por Hollywood. Até agora, com o retorno em uma nova produção, dessa vez do Prime Video: a Cinderella da diversidade.
Esqueça aqui todo o padrão do passado da protagonista, em que vai viver com sua madrasta e o pai, mostrando a morte dele em seguida. A produção dirigida por Kay Cannon busca já andar com sua trama. Dessa forma, já temos estabelecido que Cinderella (Camila Cabello) vive com sua madrasta Vivian (Idina Menzel) e as duas filhas. Habilidosa para fazer roupas, ela tenta comprar equipamentos e entrar em bailes reais para vender os vestidos que realiza. É nesse mesmo ambiente que o príncipe Robert (Nicholas Galitzine) se vê obrigado pelo pai a achar uma esposa, uma situação onde nada é bem o que parece. Os dois acabam se encontrando – e se apaixonando – no meio desse caminho.
Não existe uma grande busca de Cannon em desenvolver uma vilania ou um grande chamariz que impeça o relacionamento dos dois. Talvez esse seja um ponto até curioso, já que a forma que o longa avança no desenvolvimento dos fatos é bem mais pelo lado cômico (ao explorar a dinâmica esquisita de como os personagens veem o mundo) do que naturalmente pela sua parte dramática. Assim, pouco vemos uma exploração mais concreta do passado dessas personas. É um elemento que faz falta em traços de personalidades que a produção busca trazer posteriormente, como, por exemplo, o que fez Vivian se transformar no que é.
Desse jeito, realmente falta um fio narrativo para Cinderella seguir em frente. Nos números musicais, na estética e nos debates, a diretora parece estar apenas atrás de fazer algo que venere uma diversidade de um conto de fadas. Assim, sobram personalidades negras, LGBTs, músicas contemporâneas e diversos tipos de corpos. É interessante esse tracejo para olhar ao público atual e sua eterna intenção em ir atrás de um espelho nas diversas produções lançadas mundialmente, o que é justíssimo. No entanto, parece que Cannon não sabe realmente como trabalhar bem isso, deixando todos os elementos virarem bobos e até banais.
Enquanto isso, verdadeiras questões que estão presentes ali são quase um repeteco de forma do que foi feito recentemente em A Bela e a Fera ou Bridgerton, por exemplo. Curioso como isso nem é traduzido por uma falta de originalidade de algo, já que fica bem claro como o longa bebe nas fontes de um mundo complexo nas produções de época – fica óbvia também a inspiração para a peça Hamilton nisso tudo. O grande problema são que as tentativas de agradar como um todo se traduz em apenas uma perspectiva narrativa vazia, faltando qualquer exploração dramática mais clara ou diretamente trabalhada. Questões como o relacionamento entre o Rei e a Rainha acabam ficando apenas como um grande sobrevoo aleatório que a direção quer trazer.
Sendo assim, fica bem claro como o filme nunca quer realmente assumir uma veia para poder desenvolver. Nem mesmo um certo encantamento mágico do mundo, que é capaz de trazer também possibilidades deixadas de lado em um cinema mais recente. Cinderella vira uma grande dúvida confusa conforme a própria película avança, tateando um pouco de pontos que poderia deixar mais claro, mas no qual não tem um interesse muito concreto em ir com mais afinco. Kay Cannon até parece querer, porém não traz muita ideia de como sair do lugar com o que tem. Em vez de uma tentativa em ser algo novo, predomina apenas o vazio.