Crítica – Expresso do Amanhã (1ª Temporada)

A princípio, a história de Expresso do Amanhã, filme de 2014 dirigido por Bong Joon Ho, não é algo que se presta muito ao formato seriado, já que muito do seu impacto narrativo vem da urgência revolucionária que os habitantes do fundo do trem sentem ao iniciar sua conquista dos vagões. A obra é uma adaptação de um quadrinho que recebeu o título no Brasil de Perfuraneve. Como explorar e manter uma situação tão intensa ao longo de 10 episódios, ao invés de duas horas? Esse é o grande desafio da série da TNT  baseada no longa. Apesar de também contar com elementos da HQ original, a inspiração evidente é com o projeto de 2014.

A trama é bem similar. Após um evento apocalíptico que congelou boa parte do mundo, os sobreviventes buscaram refúgio no Snowpiercer, o gigantesco trem das indústrias Wilford, que conta com 1.001 vagões e trilhos espalhados por todo o mundo. Mas nem todos os sobreviventes recebem o mesmo tratamento. Enquanto os ricos puderam comprar bilhetes e acesso a tudo que necessitam para viver, muitos outros lutaram para entrar no trem e até conseguiram, porém foram relegados ao fundo, sem direito a itens básicos e nem ao menos poder ver a luz do sol – além de serem maltratados constantemente pela equipe do trem.

Nesse cenário, dois pólos de poder surgem. Representando os anseios dos “Fundistas” está André Layton (Daveed Diggs), que busca melhor condições de existência para todos, e Wilford, o industrial recluso que age por meio de Melanie Cavill (Jennifer Connelly), no qual garante uma “coexistência” entre as classes do trem com mão de ferro. Os caminhos dos dois se cruzam quando, após uma série de assassinatos dentro da locomotiva, Melanie precisa das habilidades de Layton – que era um detetive antes do fim do mundo – para descobrir o responsável e restaurar a paz no trem, situação que o revolucionário irá explorar para o bem dos fundistas.

A decisão de dar o pontapé para a série por meio de uma trama de detetive genérica é a grande responsável por tornar a primeira metade da primeira temporada de Expresso do Amanhã tediosa. Esse fator se torna ainda mais impactante por ela ter como único propósito tirar Layton do fundo e colocá-lo para explorar o trem, o que é até bem vindo, visto que as mentes por trás do show se preocuparam em expandir aquele mundo de modos interessantes, mas que pouco serve a trama geral da temporada. Tanto que os assassinatos mal reverberam ao longo da mesma, e, honestamente, mal consigo lembrar a motivação de tais crimes.

Quando essa trama se resolve, no entanto, a série começa adentrar território um pouco mais curioso. Ao invés do radicalismo do filme, temos aqui algo mais comedido, interessado menos em revolução e mais  nas dinâmicas de poder dentro do trem. Seja elas as formais, como Melanie e a estrutura policial de Snowpiercer, e informais, como traficantes. Em alguns momentos, ela até tenta ser um pouco mais cruel que o longa do diretor coreano, como dar indícios de que uma criança será torturada, mas em boa parte o seriado evita situações extremas em favor de algo mais comedido.

Mal comparando, é um Game of Thrones se Westeros fosse um trem, com conspirações, jogos duplos e alianças feitas e desfeitas de acordo com a necessidade do momento. Essas intrigas garantem um bom ritmo e cliffhangers o bastante para manter a curiosidade ao longo da temporada, apesar de alguns momentos sejam sumariamente descartados (como a suposta traição de um dos fundistas, tratada de forma grandiosa no fim de um episódio, para pouco reverberar no seguinte).

E é curioso que, nesse jogo de intrigas classista, a classe que menos recebe a atenção da série é a dos fundistas. Se o grupo dos privilegiados contam com diversos personagens mais aprofundados, como Ruth (Alison Wright), a família Folger e outros, fora de Layton e sua companheira Josie (Katie McGuinness), a caracterização dos fundistas enquanto unidade é restringida à pouquíssimos momentos. Quando o conflito inevitavelmente chega, há uma tentativa de drama com as vidas perdidas que pouco funciona, já que a maioria dos rostos que vemos são somente isso, rostos.

A primeira temporada de Expresso do Amanhã, na ânsia de se estabelecer como uma obra diferente do filme originário e olhar novos caminhos, acaba tropeçando, e boa parte da sua temporada age como filler, afim de adiar o acontecimento inevitável. Com o desnecessário preâmbulo resolvido, os episódios conseguem expressar uma interessante visão do poder nesse mundo, abrindo portas para um cenário muito instigante para a próxima temporada. 

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