Crítica – Fernando

“Eu sou um bicho do universo!” diz, esfuziante, Fernando, o personagem titular deste documentário, “eu não sou vira lata do planeta terra, eu pertenço ao universo”. Corte. Somos tirados da sala de aula, habitat do personagem, e levados para a rua, onde Fernando, encolhido em um banco, à distância, come silenciosamente seu almoço. Entre a euforia da arte e a melancolia do cotidiano, Fernando monta o retrato desse ator e professor tão fascinante.

O longa dirigido por Paula Vilela, Julia Ariani e Igor Ankelforte, esse que também compõem o elenco, acompanha Fernando Bohrer, artista que trabalha há mais de 40 anos no meio. Para uma vida dedicada a atuação, nada mais justo do que comemorá-la a partir desse meio. Mesmo com uma estética documental muito forte, é evidente os pequenos toques ficcionais do longa, na qual se apresenta por meio de uma trama em que o protagonista, ao descobrir uma doença cardíaca, passa a ter uma nova relação com a sua arte e começa a se preocupar com o que ele irá deixar como legado.

Essa trama é uma maneira inteligente de construir o aspecto biográfico do longa. Ancorado por ela, vida deste homem ganha uma carga dramática muito bem vinda, já que, mesmo nas cenas mais simples, vemos em seu olhar a preocupação com o fim iminente. Ao invés de tentar contar toda uma história de vida, algo extremamente complexo -pois Bohrer continua vivo -, foca-se nos pontos principais da vida do personagem, como sua dedicação à arte, que e até mesmo naquilo que não é se percebe como tão interessante. Isso é representado como o cotidiano do protagonista, suas idas ao mercado, conversas com o parceiro na cama, mas que fazem parte do seu ser, e que graças a história inserida, possuem um peso mais significativo.

Existe um rigor muito interessante na divisão dessas duas partes da vida de Fernando. Os momentos que mostram a relação de Bohrer com a arte possuem movimentações de câmera muito mais fluidas, vivas, como se ela própria estivesse inserida na energia do momento. Enquanto isso, as cenas cotidianas são mais estáticas, mantendo uma certa distância, entendendo que são momentos íntimos por si só, não há necessidade de entrarmos na cena.

Trabalhar com arte no Brasil é difícil, e como é apontado por um diálogo entre amigos no filme, está se tornando cada vez mais complicado, mesmo que nossa tradição artística seja rica. Fernando traz um pouco de luz para essa pessoa que tanto se dedica às artes, e recebe tão pouco em retorno. Não é uma romantização do artista, já que o longa faz questão de mostrá-lo sendo “gente como a gente”, mas sim uma espécie de humanização, não só do indivíduo, porém também de toda a atividade artística.

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *