Crítica – Jane (HQ)

O início sem cores e trazendo todas as memórias da protagonista já demonstram esse tom bastante sutil de Jane. As cores só podem vir apenas se existir vida e, antes de chegar até Nova York, a existência de Jane não possuía vida. Ela apenas mais existia do que realmente estava interessada em coisas. Bom, observando toda a cidade a sua volta e as oportunidades abertas em um mundo totalmente novo, a personagem começa a ver o mundo sob olhos coloridos. Os traços de Ramón K. Perez, antes mais fortes e trazendo memórias boas e ruins, agora pisam na realidade e em um mundo possível para Jane.

Ao chegar nesse ambiente urbano após ter vivido com seus tios, porém sendo ignorada a maior parte do tempo, ela encontra existência em quaisquer situação. E, fazendo de tudo para manter-se na faculdade de artes, Jane aceita um trabalho de babá para a menina Adele. Essa é filha de um misterioso e rico executivo de uma empresa, todavia sempre escondido e pouco falador. Jane então se vê em um mundo estranho, mas na qual a chama muita atenção, em busca de entender os acontecimentos na sua frente, além do fato de – cada vez mais – aproximar da garota.

Dentro dessa narrativa, a delicadeza dos acontecimentos acaba sendo o grande diferencial. E, dentro dela, todo o desenvolvimento da protagonista está atrelado as situações vividas pela mesma. Ou seja, mesmo que não concordemos com seus atos (por exemplo, ficar na casa com o mesmo emprego), acabamos estando sempre atrelados devido a essa afinidade criada a todo instante. Vemos toda a história pelos próprios olhos de Jane, traduzidos em palavras pela roteirista Aline Brosh McKenna. Esse é o primeiro trabalho dela como roteirista de quadrinhos, por ter apenas realizado trabalhos audiovisuais, como O Diabo Veste Prada e Crazy Ex-Girlfriend.

O fato de saber trazer todo esse lado narrativo bastante do visual, McKenna cria diversas situações pautadas por um desenvolvimento de arco de personagens e das situações. Um exemplo mais claro disso tudo está no quarto dito para não ser entrado. Ele acaba não sendo todo momento rememorado, contudo, quando aparece, trabalha toda a atenção do ambiente e o foco de cada um personagens para aquela situação. Além do fato de trazer toda uma circunstância dramática e de tensão bem únicas, pela simples curiosidade do público e da personagem título. Aline ainda consegue trazer esses fatos sob um ótica bastante difusa e confusa sobre o porque continuar. O tempo todo temos questionamentos sobre as ações de Jane, os mesmos na qual ela também está realizando. É claro que a possibilidade de realizar esse tipo de situação poderia ser facilmente em um balão, porém ele passa aqui para diversos pequenos núcleos (o amigo da casa e a amiga da faculdade).

Realizando isso, estamos sempre colocados em uma mistura de desenvolvimento por um lado meio onírico, especialmente representado pelos desenhos e sonhos da protagonista, e outro mais real, com os conflitos dentro da casa. O entrelaçamento desses dois núcleos as vezes soa meio confuso, principalmente por acompanharmos uma história não totalmente linear, ocorrendo certas lacunas temporais. Entretanto, é impossível dizer que ele é difuso ou confuso, pelo simples fatos de os dois estarem em torno dos nossos olhos em toda a HQ: Jane. Ela representa essas ações, representa essa confusão de pensamentos em torno de cada acontecimento em sua vida.

Na obra temos uma releitura contemporânea do clássico Jane Eyre, de Charlotte Brontë. Nessa atualização, Jane passa a ter certos comportamentos totalmente desenvolvidos de buscar uma pessoalidade bem forte. Por isso, o quadrinho reforça um certo papel de independência social da mulher na atual sociedade. Mesmo quando ela parece estar presa, sempre está calculando também o fato de ficar assim. Esse controle narrativo passa de simplesmentes páginas e confronta a sociedade, visto que a protagonista busca apenas um sonho, algo passível de todos os seres humanos terem. Ao fim, Jane reflete bem sobre como os sonhos pouco dependem dos outros para acontecerem, porém eles precisam de outros para existirem.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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