Crítica – Mau Caminho (HQ)

Os quadrinhos underground são fortes em todo o mundo. No Brasil, recentemente, a Escória Comix ganhou destaque com Supermercadinho Brasil e Rógeria, HQs que trazem toques de um humor bizarro com questões políticas escrachadas. Aliás, esse tipo de produção se foca bastante em um lado quase despojado do mundo, sem uma intencionalidade de buscar algum elemento profundo de debate. A discussão é apresentada quase como uma maneira ridícula de observar quem somos, algo feito por Robert Crumb desde sempre. Outras produções americanas também buscaram esse caminho fazendo sucesso, como de Peter Bagger em Neat Stuff, por exemplo.

Simon Hanselmann é, definitivamente, um desses grandes pilares da realização underground dos quadrinhos. Em Mau Caminho, ao explorar a história da bruxa Megg, ele se coloca sob um pano de fundo quase anárquico do universo que propõe. A personagem, entre outros dentro do quadrinho, estão correlacionados as suas realizações de uma forma geral. Assim, essa construção de mundo não perpassa apenas por essa obra especificamente, mas por um conjunto de outras que formam uma espécie de “Hanselmannverso”. O elemento primordial de todas, entretanto, é o mesmo: o mundo horrível que nos cerca.

Essa anarquia dita anteriormente está presente desde a primeira concepção sobre a narrativa. Simon se utiliza sempre de quadros compassados, especialmente de 8 por páginas, entretanto essa ideia até simplista da arte é vista de modo diferente quando cada página, em muitas ocasiões, não possui relação com a outra. E isso só é contínuo quando entendemos a conexão entre Megg e o gato Mogg. Ambos são viciados em maconha e são um casal. Sim, um casal. Ao não poupar nas cenas de sexo, inclusive entre os dois, há novamente uma reverberação dessa colocação de uma quebra de um padrão.

E não há medo em uma continuidade desses elementos, afinal vemos uma espécie de universo particular de um ciclo quase vicioso. A trama abre poucos espaços para um desenvolvimento dramático dos personagens, todavia, quando ele aparece, é sempre para colocar um lado bem claro de como essa situação depressiva dos personagens é uma reverberação apenas do que eles foram construídos. Um bom exemplo é toda a construção de background da protagonista com sua mãe, que é traficante de drogas. O olhar desesperador construído por Simon da personagem reverbera no presente, quando ela percebe que não conseguirá pagar o aluguel. Mas, a relação do drama com a comédia em si está muito mais conectada como um trampolim do que propriamente uma continuidade narrativa. O drama sempre parece o estopim dos capítulos, afim de dar destaque ao elemento de uma bizarrice contínua que só poderia existir com aqueles seres.

A anarquia é prevalente até nesse caminho, justamente pelo fato de o ponto de partida ser sempre reverso. Os protagonistas parecem sempre desesperançosos, o que já cria uma afeição natural para com o leitor, no entanto, quando são desconstruídos ao ponto de simplesmente não conseguirem sorrir – nem mesmo nas situações de uma alegria extrema, o que é colocado bem claro pelo autor -, isso quase se transforma em um caminho sem volta. Como na própria produção underground, que pouco se importa com a condição existencialista desses seres, isso torna-se relevante aqui.

Em Mau Caminho o que mais importa para Simon Hanselmann é como a anarquia de condição de vida dos seus protagonistas está conectada com a problemática do mundo. Há reverberação de diversas temáticas dentro dessa concepção, como, por exemplo, uma busca em viver a própria realidade é até quase uma ideia sobre o que a solidão representa. Ao focar realmente sua narrativa no relacionamento dos personagens, podemos quase entendê-los como uma espécie de protótipo da nossa sociedade. E não um protótipo no sentido de dizer que essas pessoas existem, mas sim de perceber uma espécie de doença que está conectado ao núcleo das nossas relações sociais. Ao centro dos caminhos que todos trilham durante a existência.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *