Crítica – Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um

O cinema americano está passando por um momento de crise. As plataformas de streaming mudaram radicalmente o cenário do mercado, enquanto a Disney se agiganta e se move ainda mais por uma lógica fordista de produção, enquanto outros estúdios, com exceções, tentam captar a mágica bilheteria de um bilhão de dólares, resultando em filmes que operam na mesma frequência dos da Marvel. Isso sem contar os impactos da pandemia, que ainda não foram plenamente compreendidos.

Nesse ambiente confuso, é normal que se procurem os heróis, que mantém o “verdadeiro cinema” são e salvo com sua visão e autoralidade. Alguns são curiosos, como Michael Bay, cujo trabalhos recentes, como o Ambulância, realmente são um sopro de ar fresco num ambiente de filmes cada vez mais similares, mas que antes disso não gozava de tanto prestígio assim. Outros sempre foram vistos como importantes e populares, como James Cameron e Steven Spielberg, mas que agora ganharam um status quase “cult” diante da dominação do Universo Marvel.

Parte desse panteão é Tom Cruise, especialmente após o estrondoso sucesso de Top Gun: Maverick em plena pandemia, levando até mesmo Spielberg a admitir que o ator pode ter salvo “toda a indústria cinematográfica”. Assim, Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte Um possui uma bagagem grande para carregar: seriam Cruise e Christopher McQuarrie capazes de salvar novamente o cinema? 

Em Top Gun, já existia o subtexto do embate entre o “Bom Cinema”, feito por pessoas, criativas, inventivas e falhas, porém capazes de superar qualquer maquinário, contra a lógica robotizada que tomou conta da indústria. O grande desafio de Maverick e seus alunos era de comprovar a necessidade de pilotos humanos diante das inovações dos drones e afins.

Acerto de Contas novamente convida essa comparação, mas dessa vez, com ainda mais força, visto que o adversário de Ethan Hunt e sua equipe no sétimo capítulo da franquia se trata de uma poderosa inteligência artificial, a Entidade, capaz de calcular a possibilidade de diversos eventos e de invadir o ciberespaço sem ser detectada, que escolheu como porta-voz Gabriel (Esai Morales), uma figura importante para o passado de Hunt. O timing do filme não poderia ser melhor, visto que Hollywood está encarando a greve dos roteiristas e dos atores, cujas demandas, entre outras, envolvem controle sobre a utilização de IA na produção cinematográfica.

Mas talvez Cruise tenha comprado demais a ideia de si mesmo como o último guardião da experiência cinematográfica e McQuarrie parece satisfeito em seguir a linha. Por mais divertido que seja a ideia de um agente secreto lutando contra uma força aparentemente onisciente que tudo sabe – rompendo com um suposto determinismo -, talvez não seja o melhor caminho para uma franquia com fórmulas bem fixas de narrativa, tão determinista quanto qualquer algoritmo.

Quase todos filmes da saga são parecidos entre si, com algumas pequenas mudanças de um para o outro, e Acerto de Contas Parte Um é o que mais coloca isso em jogo, remixando elementos de filmes passados, como o clímax envolvendo um trem, como no filme original. Até mesmo dentro da narrativa certos elementos já bem estabelecidos viram até piada, como as máscaras que os personagens usam para virar outras pessoas. O mundo sempre está em perigo, mas antes a ameaça era mais tátil, como uma bomba nuclear que deve ser impedida, aqui, a briga é por conceitos: uma das grandes discussões entre os personagens é que nenhuma nação deveria ter o poder da Entidade em mãos.

Assim, apesar de exaustivamente buscar estabelecer a ameaça da dupla Entidade/Gabriel, a ameaça nunca se materializa de maneira que faz o desenrolar da trama ter certo impacto, e o roteiro lança mão até de táticas fáceis para buscar isso, como a aparente morte de um personagem importante para a franquia pelas mãos do vilão. A busca pelo macguffin, também típica da franquia, não prende tanto pois sua conquista representa somente uma promessa, somente na parte dois teremos o seu desfecho.

Com isso, os momentos entre as sequências de ação nunca engatam, especialmente quando tentam criar um canône mais estabelecido para Hunt, com um único flashback servindo para inferir uma história maior entre ele e Gabriel. Mas os momentos de ação mais do que compensam, McQuarrie continua com um bom olhar para estabelecer o espaço, deixando claros os obstáculos a serem encarados desde o começo. O grande salto de moto, alardeado exaustivamente pela publicidade do filme, não oferece muito mais do que se espera, mesmo sendo uma cena divertida. Os destaques ficam para as cenas mais “pé no chão”, como a sequência em Abu Dhabi, que equilibra duas situações tensas enquanto estabelece a nova personagem, Grace (Hayley Atwell), uma ladra cujas habilidades são uteis, mas bem distantes dos utilizados por Hunt e companhia, e por isso traz uma mudança bem-vinda nas relações.

Missão: Impossivel – Acerto de Contas Parte Um é um bom filme, Cruise e McQuarrie mantém o padrão que a franquia tem conquistado desde Protocolo Fantasma, mas talvez seja preciso dar um passo atrás em levar a imagem de Cruise no mundo real para os filmes. Embora a persona criada para o ator seja atrativa, a graça está na materialidade da coisa. Não à toa que uma das cenas mais lembradas de Efeito Fallout é uma briga no banheiro, nada mais pé no chão que isso.

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