Crítica – Mussum, O Filmis
Fazer arte é difícil. É um caminho que poucos compreendem e os louros, se vierem, podem demorar, ou até mesmo serem póstumos, afinal, quantas pessoas não tiveram seus trabalhos reconhecidos muitos anos após sua morte? Esse mal não passou pela vida de Mussum, que foi eternizado tanto como humorista, com seu trabalho nos Trapalhões, e como músico, nos Originais do Samba.
Mas não quer dizer que tenha sido um caminho fácil, e talvez seu maior legado tenha vindo quase a contragosto. Um dos principais feitos de Mussum, O Filmis é não ser tão enamorado com a ideia do Mussum e deixando claro que, antes do personagem existir, existia o Antônio Carlos, Carlinhos para os íntimos, cuja maior aspiração é ser sambista, apesar da rejeição de sua mãe, Dona Malvina (Cacau Protásio/Neusa Borges), a ideia, pedindo que o filho estude e se profissionalize em ocupações mais comuns.
O longa, conduzido por Silvio Guindane, abre com o humorista já estabelecido no seu papel de Mussum, mas logo vai ao passado onde esse nome nem estava no horizonte de Carlinhos, interpretado na infância por Thawan Lucas. A vontade dele era ser jogador de futebol, como várias outras crianças, mas o logo o samba entra como possibilidade, e o filme apresenta de modo muito literal uma ideia que vai costurar todo o filme: a das escolhas. De cima do muro, Carlinhos pode começar sua vida no samba, ou escutar sua mãe que pede para ele descer, a mãe vence, é claro, mas não por muito tempo.
Um dos principais desafios de uma cinebiografia é escolher um espaço de tempo que melhor defina o biografado, ou tentar mostrar tudo que for possível. A última abordagem quase sempre resulta em produções que são meros slideshows da vida de uma pessoa, caso de Cazuza – O Tempo Não Para, ou dar um recorte em um momento importante da vida. Mussum faz um pouco dos dois, focando em momentos importantes em diversos pontos da vida do artista na fase infantil, adolescente e adulta.
Esse enfoque nem sempre é bem-sucedido, pois alguns momentos mais dramáticos, como a perda do primeiro filho, cujo impacto emocional não é devidamente explorado. Mas a narrativa tem duas ancoras importantes que mantém tudo coeso, uma já citada antes, a das escolhas, algo também reforçado na perda do primogênito, pois o grande drama da cena é Antônio Carlos, agora interpretado por Yuri Marçal, sendo forçado a escolher entre ficar no show ou voltar para sua mulher. A outra, é a relação do protagonista com a sua mãe, sempre pronta para servir conselhos e oferecer um pouco de humor a certas situações.
É o foco nessas duas questões que mantém Mussum, O Filmis coeso e emocionante ao longo de sua narrativa, pois, além de retratar um dos mais importantes artistas brasileiros, encara de frente as dificuldades encaradas pelos artistas brasileiros, mesmo os mais bem sucedidos. O sucesso como Mussum vem à revelia das ambições de Antônio Carlos, na fase adulta interpretada por Ailton Graça, “não sou humorista, sou sambista”, repete por diversas vezes, mesmo que não seja verdade mais, nos Trapalhões no auge do sucesso.
É curioso que, ao longo da narrativa, o sucesso como Mussum representa não o sucesso completo, mas uma concessão necessária para atingir o que verdadeiramente Antônio Carlos deseja. Há um paralelo sutil, mas interessante, entre a carreira como humorista e a no exército, apresentada no ínicio do filme: ambas representam a segurança financeira, e não a realização completa do protagonista. Mais curioso ainda é que o filme não parece perceber isso, encerrando com um monólogo de autoajuda digno de coach das redes sociais. Não surpreende, pois Mussum, como bom produto comercial que é, encontra sua limitação nas necessidades de se vender, afinal, não dá para pintar completamente um dos maiores humoristas brasileiros como alguém que só aceitou o papel pelo contracheque, mas as ambições de tornar o símbolo um pouco mais humano e complicado está lá, e é a grande força da produção.
Essa crítica faz parte da cobertura do Senta Aí do Festival do Rio 2023