Crítica – Não! Não Olhe!
A carreira como cineasta e roteirista de Jordan Peele foi marcada pelas críticas sociais. O artista teve desde Key and Peele (quando ainda fazia comédia como foco principal), uma importante marca de trazer discussões políticas. Quando começou como diretor, a pegada foi a mesma, já que Corra! e Nós são filmes marcados pelos debates que os cercam, até – em muitas ocasiões – se transformando em maiores que a obra por si só. No entanto, ele parece que tentar fugir desse estigma há algum tempo. Inicialmente, como produtor e apresentador da nova versão de The Twilight Zone. E isso ganhou contornos ainda maiores com agora seu novo lançamento, Não! Não Olhe!.
Essa mudança parece presente, de certa forma, pela sua vontade de fugir de algum esteriótipo e todas as suas produções (que possuem negros em destaque), serem focadas apenas em uma perspectiva social. Só que, além de tudo que já é, Peele também é um apaixonado por cinema e por histórias de terror e ficção-científica. Se isso já era claro em referências anteriores, aparece mais fortemente em Nós, especialmente na construção de um universo de duplos, algo muito marcado na literatura mundial. Contudo, o diretor pareceu querer olhar para uma faceta menos observada da sua obra, que é a fantasia.
Assim, em Não! Não Olhe!, acompanhamos a vida de dois irmãos em um pequeno rancho localizado no meio do nada no interior da Califórnia. OJ Haywood (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer) são descendentes diretos de uma família de cuidadores de cavalos para produções hollywoodianas. Os dois sofrem há cerca de seis meses a perda do pai, morto de formas misteriosas. Certo dia, eles começam a perceber estranhas aparições no céu do local em que vivem e começam a tentar descobrir o que seria essa misteriosa aparição.
Em uma perspectiva bem clássica, Peele trabalha o longa como dois em um só: de invasão alienígena e de monstros gigantes. Por isso mesmo, como dito anteriormente, traz toda sua bagagem cultural de um cinema dos anos 1950 e 1960, especialmente no que tange a ficção-científica e o horror. Toda a construção do vilão dessa história é feita em um olhar bastante farsesco com o telespectador. A todo momento nos levamos a acreditar em uma coisa, enquanto tudo parece outra. Aliás, a farsa é um pontos relevantes para a construção narrativa dentro desse universo, já que a imagem se torna a única forma de provar coisas no mundo atual. Dessa maneira, é impossível fingir, é necessário que tudo seja realista, mesmo que a mentira esteja composta dentro dos acontecimentos.
Essa questão aparece bem presente em dois momentos. Um deles, em uma situação que abre a produção e ganha destaque no decorrer dos acontecimentos: um incidente envolvendo um macaco que ataca os atores durante a gravação de um seriado, alguns anos antes. Ricky Park (Steven Yeun) era uma estrela mirim e viu tudo de perto. Nos dias atuais, ele comanda em um outro rancho, esse de atrações, na região. Com isso, o tema do controle desses animais aparece de forma a consolidar todo o destaque posterior da trama. O segundo é em relação a última cena, que toda acontece em um cenário cenográfico, após uma luta “fake”, reforçando todo o olhar desse jogo de mentiras proposto pela direção.
De todas as formas, é também curioso perceber como o filme não esquece sua cara igualmente política, porém que está em total segundo plano na narrativa. Isso acontece especialmente pela maneira como o protagonista OJ é construído como uma figura negra reprimida, em um mundo que o faz isso naturalmente – a cena da gravação, logo no começo, demonstra bem isso. Em outro sentido, também se destaca por um olhar sobre a representação imagética do mundo contemporâneo, em que é preciso até se doar e dar o próprio corpo para trazer a verdade. A mentira está em toda parte, então é necessário que a construção da veracidade seja uma resposta ainda maior.
Mesmo assim, o diretor está em busca em primeiro lugar de se divertir com a própria mentira contada. Afinal, cinema, por si só, é uma grande construção farsesca. Por isso, transforma a narrativa a cada momento e brinca com as próprias expectativas e ideias que o público irá construir (como a cena dos aliens com o jumpscare). Ele busca ter em seu longa um grande pastiche do período. Desse jeito, filmes como O Mundo em Perigo, Intriga Internacional e Invasores de Corpos estão presentes na salada contemporânea observada pelo cineasta.
Não! Não Olhe! é o presente e o passado. É Jordan Peele fazendo, novamente, uma grande homenagem ao cinema, mas em busca de reeconstruir as histórias e trasnsformações sociais. Só que elas aqui não estão inteiramente conectadas com a temática por si só, sendo abrangentes dentro dos próprios acontecimentos. O principal é compreender que tudo não passa de uma grande mentira contada até ser verdade. Seja ela uma fábula, um vídeo, ou, até mesmo, a aparição de alguma coisa. Afinal, vale a pena acreditar ou apenas se deixar levar pela farsa de nossa era?