Crítica – Noturnos (minissérie)
Tudo começa com a chuva. É assim o início da minissérie Noturnos, que busca usar o espaço recluso para ativar possibilidades. A história começa a ser contada quando, devido ao temporal que cai fora, atores ficam dentro de um teatro. Sem poderem sair, já que a cidade está alagada, resolvem começar a lembrar acontecimentos, além de outras peças que já fizeram, todas de terror. Só que existe algo para apimentar ainda mais isso, já que todas aquelas histórias contadas são, na realidade, adaptações de músicas ou contos de Vinícius de Moraes. Se, de dia, o artista brasileira possuia sua face alegre, como uma espécie de beleza da canção brasileira, de noite, ele pode ganhar novos contornos.
A ideia da produção de Marco Dutra e Caetano Gotardo é bem interessante e original. Em um conceito de universo bastante único, podemos caracterizar o seriado em si quase como uma antologia – pelo fato dos acontecimentos narrados pelos personagens não terem uma ligação em si. Entretanto, o que não os torna isso, é a forma de como há uma construção anterior, visto que lidamos já com alguns seres em situações dramáticas próprias. Existe toda uma ideia de poder estruturante dentro dos debates que cada um deles irá fazer. Em um, por exemplo, vemos a possibilidade de Heloíza (Vaneza Oliveira) dar pitaco sobre o roteiro da peça que estão atuando. Porém, até que ponto aquela mudança pode ser significativa? Toda estrutura de domínio do espaço está nas mãos de Tatiana (Thaia Perez).
É através desse jogo que todas as histórias irão lidar com suas narrativas particulares. É até curioso como a direção de cada trama específica será comandada por um diretor diferente, afinal estamos vendo pontos de vista diferentes de uma situação. No início, parece que todas que virão tratam-se de mentiras, algo inventado, quase no conceito de “vamos contar situações de terror para passar o tempo”. Contudo, quando a realidade toma cada vez mais conta, parece que nunca estamos verdadeiramente seguros entre aquelas figuras. A direção de Dutra nas partes “normais”, começa a dar destaque para um caráter corporal de ocupação de espaço, afim de entender porque cada um deles está ali.
E é dentro desse conceito que Norturnos se afunila para uma condição psicológica cada vez mais tensa. Ao ponto que os personagens parecem quase estar em um límite lógico entre real e o irreal. Toda essa brincadeira relacionada a própria encenação da peça rememora o filme de Michele Soavi, O Pássaro Sangrento. Se lá, o terror era representado por uma figura verdadeira – já que trata-se de um slasher -, aqui isso está onipresente na ideia de poder da obra de arte. Nós, como telespectadores, estamos passivos diante de uma situação de catástrofe, enquanto os personagens vivem em um universo que só podem ser passivos para com a situação que estão.
É curioso como o conceito em si da obra não deixa nada muito claro. Até por isso, Noturnos, com seus seis episódios, abre possibilidades diversas de interpretações e até um entendimento sobre o que acabamos de assistir. Cada uma dessas figuras em uma situação de chuva, ou seja, parados naquele espaço, precisam encontrar uma forma de se distrair. Mas como conseguir fugir do mundo real, se é ele que aprisiona verdadeiros maus e irrealidades. Marco Dutra e Caetano Gotardo criam, assim, uma minissérie que não é única, mas variada. Dessa maneira, a cada vez que pensamos em uma situação específica sobre Noturnos, novas camadas e pensamentos se abrem.