Crítica – Os Banshees de Inisherin

Em uma determinada cena no meio de Os Banshees de Inisherin, Colm Doherty (Brendan Gleeson) “explica” o título do filme: é o nome da música que está compondo. Banshees seriam seres malignos na mitologia celta, uma espécie de fada que traz a morte. Inisherin é o nome da ilha ficctícia na qual a história se passa. Porém, se busca uma explicação complexa para a escolha do nome, o personagem deixa bem claro: é porque a junção o sh nas duas palavras soa divertida. Talvez essa seja a grande tradução para o novo filme : a tentativa de trabalhar uma trama alegórica, sob um verniz tragicômico.

A história se passava em um povoado na Irlanda em meio a Guerra Civil Irlandesa. No local, Colm decide, certo dia, não falar mais com Pádraic Súilleabháin (Colin Farrell). Sem entender os motivos e como isso aconteceu, ele decide ir até o fim atrás de uma resposta de seu antigo parceiro de bebidas. E recebe uma mensagem: a de que Doherty cansou de jogar o tempo de vida que tem fora com alguém que não tem nada para acrescentar, e que apenas deixar algo no mundo.

É bem interessante a forma como McDonagh constrói Os Banshees de Inisherin para ser um filme esquisito. Desde o momento da abertura, até as repetições cômicas de personagens no bar, finalizando com decisões trágicas tomadas por eles no decorrer da narrativa. A estranheza é o ponto chave para o diretor desenvolver e fazer o público abraçar a ideia da ficcionalização da sua história. Essa que aborda, de maneira bem formal, o sentido da vida, de viver. Porém, o diretor encapa esse debate sob um viés de tragédia, da perda de uma amizade e em como isso afeta todo um sistema em uma ilhada verdadeiramente “ilhada”. Eles vêem os tiros da guerra a distância, porém pouco se importam. Apesar de quererem ter profundidades nos pensamentos, eles estão apenas isolados de tudo.

Ao mesmo tempo, existe um caráter religioso que toda a encenação propõe. De um lado, a culpa, especialmente por parte de Colm. Ele não quer deixar o amigo mal, desagradá-lo, mas precisa fazer isso para o próprio bem, para a própria sobrevivência. Do outro, de Pádraic, no sentido da vingança, já que quer, de todas as formas, o controle sobre o parceiro, podendo até se vingar por isso. A direção recheia toda essa concepção claramente cristã de mundo – só que deturpada por uma figura nilista e outra que busca apenas aproveitar a vida -, de um imaginário por Inisherin. A entrada, por exemplo, tem uma imagem de Nossa Senhora. Nas missas, a ideia do “mal olhado” sempre se faz presente. Além disso, Colm sempre busca se confessar, como uma maneira de sair do plano terreno dentro dos seus pensamentos.

Os Banshees de Inisherin sabe usar toda essa grande brincadeira visual, através de um drama que claramente se desenvolve sobre a ilha. Seja pelos dois amigos que se separaram, seja através da irmã de Pádraic, Siobhán (Kerry Condon), que vive como uma figura materna para o irmão, seja com Dominic (Barry Keoghan), um jovem com deficiência intelectual e filho do único policial da cidade, que é observado como uma espécie de filho também para o protagonista. Desse jeito, o cineasta fala sobre essa estruturação familiar, porém que é totalmente deturpada, já que não existe. Pádraic, aliás, que não parece se interessar por mulheres em momento algum e vê sua companhia mais amorosa, além do amigo, em uma bezerra. Ao mesmo tempo que Dominic tem um interesse romântico em Siobhán. Desse jeito, sua reconstituição familiar inteiramente inexistente. No entanto, que existe sob um júdice dessa transposição absurda da realidade.

A encenação do filme olha para esse microcosmo sempre de um jeito meio irônio. Até mesmo essa concepção inicial por parte de Colm é ironizada a todo instante (vide sua atitude radical do meio para o fim). Ou seja, qual verdadeiramente é a intenção de buscar um sentido para a vida? Todos esses personagens estão atrás, de suas diferentes maneiras, porém nenhum deles verdadeiramente encontra isso. A imagem da bruxa, que permeia boa parte dos acontecimentos, reforça esse olhar quase superior, de julgamento dessas figuras. Desse jeito, sempre sob uma visão moral, elas podem querer muitas coisas, porém estão “ilhadas”, fechadas em um mundo pequeno demais. São quase como, em certo sentido, bonecos de um jogo maior, jogo essa da própria direção.

 constrói um filme, no fim das contas, triste. Os Banshees de Inisherin, dentro da sua tragicomédia, está muito mais atrelado ao primeiro do que ao segundo. O diretor claramente coloca ideias contrapostas de entendimento sobre a vida, com a pura intenção de ser sádico com a audiência. No fim das contas, até porque pouco importa o que eles verdaeiramente pensam ou buscam. Todos nesse local serão apenas esquecidos, assim como todos os seres humanos. Quando morremos, o que resta são apenas as sensações que causamos nos outros – sejam elas boas ou ruins. Por isso os seres da morte de Inisherin podem pegar qualquer um, já que, ao final, estarão todos no mesmo lugar e no mesmo esquecimento.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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