Crítica – Petite Maman

Há uma cena em Petite Maman, novo longa da diretora francesa Céline Sciamma, que sintetiza muito bem pelo menos um dos focos do filme. Nelly (Josephine Sanz), a protagonista do longa, conversa com seu pai (Stéphane Varupenne) sobre a infância dele. Ela reclama que ele nunca falou nada sobre quando ele era criança, e ele responde que já o fez, falando de seus brinquedos e festas de aniversário, o que gera a resposta “mas isso são pequenas histórias! Quero saber das coisas reais!”. O pai então, se abaixa, e fala em seu ouvido: “eu morria de medo do meu pai”.

Um dos obstáculos, por assim dizer, de uma relação entre pais e filhos se dá pelo modo como as partes enxergam uns aos outros e a si mesmos. É normal os filhos, especialmente na infância, verem seus progenitores como pessoas “prontas”, na falta de uma palavra melhor, já formadas. Não acompanhamos tanto o desenvolvimento de nossos pais quanto eles acompanham o nosso.

Em Petite Maman, Nelly terá uma oportunidade única de observar sua própria mãe (Nina Meurisse), mas antes que isso aconteça, a pequena precisa lidar com uma perda familiar, a de sua avó. As primeiras cenas do longa são dedicadas para essa estranha sensação de perder alguém, da pessoa simplesmente não estar mais lá. Nelly caminha pelo quarto onde ela passou seus últimos dias, segura a bengala da mesma, enquanto sua mãe olha pela janela, distante. O vazio do quadro tornando a ausência muito palpável.

Nesses momentos também é possível perceber Nelly como uma criança um tanto sozinha, já que ao seu redor só vemos adultos, como seus pais, ou idosos, dos outros ocupantes do asilo. A família precisa ir na casa da falecida para esvaziá-la. O local é isolado, cercado por uma floresta, e lá que Nelly conhece sua amiga, Marion (Gabrielle Sanz), montando uma espécie de casa na floresta, com gravetos e quaisquer pedaços de madeira que consiga carregar. Conforme a relação das duas cresce, Nelly revela algo muito importante: Marion é, na verdade, sua própria mãe.

Esse aspecto da viagem no tempo é tratado com absoluta naturalidade, tanto que é explicitado por meio de um simples diálogo, e muito bem inferido por meio das composições de Sciamma. Quando Nelly visita a casa de Marion, por exemplo, os enquadramentos usados são similares aos utilizados na casa da protagonista, nos mesmos espaços, mas com pequenas diferenças de decoração, mas que já incute a percepção de se tratar do mesmo espaço. E é claro, é difícil não reparar que as duas são idênticas

Mesmo com o elemento fantástico, Petite Maman nunca deixa de ser sobre a relação dessas duas meninas – cuja descoberta do parentesco não altera – e delas com o mundo. As duas são intensamente interessadas no mundo dos adultos, chegando a encenar pequenas peças de teatro onde interpretam figuras desse mundo.

Apesar de aparentar certa frieza ao lidar com esse mundo infantil – as brincadeiras são filmadas de modo tão rígido quanto às cenas dramáticas – Petite Maman conquista. O naturalismo da encenação permite que essa história, tão fantástica em sua premissa, seja algo profundamente humano, reconhecemos a dor da despedida, a intensidade do último abraço entre duas amigas, é difícil não se emocionar.

Esse texto faz parte da cobertura do Festival Internacional de Cinema de Toronto 2021

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