Crítica – Piggy

Piggy começa da carne. Essa, advinda da loja de açougue comandada pela família de Sara (Laura Galán), uma menina gorda que sofre constantes perseguições de outras meninas da cidade em que mora. Perseguições essas que são feitas especialmente por três: Claudia (Irene Ferreiro), Roci (Camille Aguilar) e Maca (Claudia Salas). Através do corte das carnes e das vísceras dos animais, a diretora Carlota Pereda já coloca suas intenções. Todo o sangue e composição nojenta fará parte da sua história. Até porque, no fim das contas, essa narrativa também fala sobre a carne. Assim como começa.

A trama se desenrola quando, em certo dia, a protagonista vai até a uma piscina próximo de onde mora para nadar em um horário com pouco movimento. Com medo da gordofobia que sofre recorrentemente – em que é chamada, junto de seus familiares, de “porca” -, ela busca um horário mais vazio para poder se divertir. O problema é que as três meninas a veem e retomam a humilhação diária, além de pegar todos os pertences da jovem. Ao tentar voltar para casa apenas com biquíni, ela vê um homem estranho (Richard Holmes), que estava na piscina junto dela, em um carro e com as garotas no fundo deles, todas cheias de sangue.

É interessante como esse papel de caça e caçador é introjetado de forma meio tímida e se complexifica ao longo dos acontecimentos. Se, inicialmente, Carla é uma personagem inteiramente reclusa (ela pouco fala, por exemplo, em ao menos uma hora), a protagonista vai virando uma pessoa única capaz de proteção. Apesar de sempre fugir de tudo, é como se ela tivesse que lidar, de toda a forma, com o ato que presenciou. Por isso mesmo, a carne, elemento tão presente na direção de Pereda através do corpo de Carla, se transforma em quase uma barreira de defesa. Através das próprias angústias, ela é capaz de fazer algo.

O maior problema de Piggy é claramente em seu tom. Ou na falta dele, no caso. Em certos instantes, o longa abraça um caminho meio cômico e até achando graça de si mesmo pelas situações. Apesar de sempre tratar o tema do preconceito como algo sério – a chacota é um motivo para desenvolver as personagens, por exemplo -, a obra gosta de não se levar tanto a vera quando adentra no terror, como ao se divertir com as sequências do serial killer. A grande divergência é que, em diversas cenas na relação familiar, ele quer soar muito mais complexo dramaticamente do que está sendo desenvolvido. É como se existisse um outro filme, ali, a parte, porém que não está sendo desenvolvido e aparece apenas nessas horas.

Dentro dessa estética da carne, muito clássica de um cinema de horror europeu, como o italiano e até mesmo o espanol (local em que Piggy foi feita), há uma nova roupagem para o uso do gênero. As discussões sobre o papel da mulher e a própria gordofobia estão ali presentes, contudo parecem ainda temas muito genéricos na forma que a própria produção trabalha eles. Muitos momentos soam mais jogados que parte realmente da narrativa, como a procura dos pais pelas filhas desaparecidas. Ao não ser algo bem explorado e desenvolvido antes, não é o fato dele acontecer que algo será diferente. Ao início dos créditos, parece que a diretora Carlota Pereda tinha uma ideia melhor do que a execução.

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2022

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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