Crítica – Rua do Medo (Trilogia)

É curiosa a decisão da Netflix de tratar os lançamentos de Rua do Medo como três filmes separados, ao invés da minissérie que sua estrutura aparenta ser aproximar mais, com cada “episódio” terminando com um cliffhanger e trailer para o próximo. Eles até mesmo oferecem um resumo no início de cada parte para os espectadores lembrarem das partes prévias. Talvez a novidade de se lançar uma trilogia em tão curto espaço de tempo tenha se provado mais interessante para o streaming do que mais uma série.

Mas divagações sobre que tipo de “conteúdo” Rua do Medo é a parte, o experimento apresenta uma interessante mistura de referências de vários gêneros de terror, com cada parte emulando um tipo específico de filme, do slasher tradicional ao folk horror de filmes como A Bruxa. No centro da trama está uma cidade que se divide em dois lados, a rica e próspera Sunnyvale, e Shadyside, a “parte podre”, empobrecida e violenta, um lugar onde todos desejam sair. Um problema peculiar afeta Shadyside a cada década, onde, subitamente, um de seus habitantes comete uma série de assassinatos terríveis.

O primeiro filme, 1994, começa com uma dessas ocorrências, com a jovem Heather (Maya Hawke) sendo assassinada por um então colega de trabalho, Ryan Torres (David W. Thompson). O evento traz a tona a lenda da bruxa Sarah Fier, queimada viva no século XVII e apontada como a grande responsável pelos surtos assassinos da cidade devido a uma maldição que lançou no local. Mas isso está um pouco distante da mente de Deena (Kiana Madeira), após enfrentar uma decepção amorosa no término com Sam (Olivia Scott Welch) e descobrir que ela deseja se mudar para Sunnyvale, para tentar fugir do estigma de Shadyside. Porém, quando a ira da bruxa parece se voltar contra Sam, nossa protagonista precisará deixar sua raiva de lado para salvar sua amada, além de descobrir o segredo por trás da maldição.

Ao longo dos três filmes, baseado na série de livros de mesmo nome de R.L Stine, seremos levados para três décadas diferentes, começando nos anos 90, com a segunda parte se passando em 1978, e a terceira para o início de tudo, no ano de 1666. Todos possuem a mesma diretora, Leigh Janiak, que demonstra uma flexibilidade incrível para emular os variados filmes que Rua do Medo tem inspiração, mas a maioria acaba sendo só um modo de criar familiaridade mesmo, sem articular coisas muito próprias. Isso é particularmente evidente na parte 2, 1978, que se contenta em se parecer com a franquia Sexta Feira 13 e pronto – já que o longa se interessa muito mais em despejar informações sobre a mitologia daquele mundo do que outra coisa. Em uma minissérie, tal coisa seria resolvida com um simples flashback, contudo, devido ao formato escolhido, acaba sendo uma obra um tanto descartável, já que nem os personagens interessantes, como na primeira parte, este possui.

O mais bem sucedido em fazer referências a outros filmes e também construir uma atmosfera própria é a parte final, 1666, que ilustra muito bem o delírio febril da paranóia que se instala em Union – nome original do espaço ocupado por Sunnyvale e Shadyside – após o local começar a decair vertiginosamente. Durante uma cena onde os populares se reúnem na igreja para discutir sobre o que está acontecendo, e a montagem se torna acelerada, as falas e conclusões se sobrepõem, tudo vira um turbilhão de confusão e raiva, transmitindo muito bem os sentimentos que levaram ao destino final de Fier. Esse olhar para um aspecto mais social da trama até existe nos outros filmes, mas é só aqui que ele é cristalizado de fato. É nessa terceira parte também que a divisão entre os locais ganham contornos mais narrativamente interessantes, não só uma ferramenta para criar brigas entre os personagens. 

A grande novidade mesmo de Rua do Medo é a forma de seu lançamento, já que seu desenrolar não vai trazer surpresas. Apesar disso,o terceiro filme é realmente interessante, com as duas primeiras partes um tanto irregulares. Se o que importa é o destino, Rua do Medo é uma recomendação fácil, se o que interessa é o todo, a conversa é um pouco mais difícil. 

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