Crítica – Torre das Donzelas

Torre das Donzelas tem um inicio intrigante. Após um breve prólogo, que se utiliza de imagens de arquivo para oferecer um pouco de contexto histórico, vemos as personagens tentando desenhar a titular Torre, apelido dado para o presídio Tiradentes, em São Paulo. Esse lugar é o mesmo na qual abrigava as presas políticas da ditadura. De modo incerto, vemos essas mulheres vasculhar a memória por detalhes desse lugar. Celas mudam de tamanho, desenhos são refeitos, e assim por diante. De imediato, o documentário da diretora Susanna Lira estabelece a importância que a memória coletiva desse local terá para a narrativa.

A partir do encontro dessas mulheres com a reconstrução das celas onde viveram na Torre, as personagens narram suas vivências naquele espaço, cheias de dor e sofrimento, mas também composta de algumas alegrias. Uma perspectiva muito interessante oferecida por Torre das Donzelas é de que, às vezes, resistir também é encontrar o riso em situações de martírio. Seria fácil apoiar o longa nos fortes relatos das torturas sofridas, mas Lira busca outros caminhos. Atitude similar pode ser encontrada no tratamento que o filme dá a Dilma Rousseff, a única entrevistada famosa, porém sem realmente tomar os holofontes ou chamar uma total atenção. Ela acaba sendo parte de um todo.

O dispositivo do longa, o cenário que reacende as memórias daquele lugar, garante uma potência bastante iminente nos minutos iniciais. É fascinante observar como aquela representação causa impacto nas mulheres. As personagens aos poucos preenchem aquele espaço e refazem certas atividades na qual praticavam enquanto presas, como tricotar, cozinhar, ler, e etc. A ressignificação desse espaço, que agora se tornou um ambiente para se reconectar com o passado, é bem executada.

 Mas a obra acaba acrescentando mais um artifício em cima deste: em breves flashes, vemos atrizes reencenando os relatos das entrevistadas. Por mais curtos que estes momentos sejam, eles nunca se justificam, nem acrescentam nada a ambientação até bastante intrigante e pouco direta. A sensação transmitida acaba sendo que a diretora não confiava na força dos relatos em si, precisando desse floreio que mais distrai do que agrega.

O objetivo do filme é claramente construir um mosaico das experiências das presas políticas, e para isso, transita entre várias pessoas e temas. Apesar disso, essa condução, por vezes, perde o seu foco, e a ligação entre um momento e outro ou é muito tênue, ou não existe. Não raro, a transição de um assunto para o outro é um tanto brusca e a narrativa fica um pouco perdida. Falta uma maior conexão ou até coesão interna dentro da montagem.

Quando todos os elementos fílmicos acabam se unindo, no entanto, é aonde vemos mostra todo seu potencial. Uma sequência específica da produção, em que lida com maternidade, é a melhor demonstração disso, reconectando, pela montagem, duas mulheres que tiveram seus filhos levados pelos militares. Nesse momento, a abordagem abandona os seus tiques, e se foca totalmente na voz e nas expressões dessas duas mulheres, com grande efeito, força e potencial.

A temática de Torre das Donzelas é imediatamente pertinente, mas o filme não se deixa levar por essa urgência e atualidade. Ele, em muitos momentos, tenta resgatar, entre risos e lágrimas, a memória de um grupo de pessoas que cada vez mais perigam cair no esquecimento. Nem sempre seus elementos funcionam bem em conjunto, porém quando encontra sua harmonia, é eficaz. Sabe bem trabalhar essa memória, sempre necessária e na qual nunca deve ser esquecida.

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