Crítica – Valentina

Há algo de muito comum nos primeiros momentos de Valentina, onde a titular protagonista, interpretada por Thiessa Woinback, mostra para suas amigas uma identidade falsa. A eterna necessidade jovem de entrar em lugares onde não pode, conflito retratado por uma infinidade de filmes adolescentes. A virada acontece quando, ao ser barrada pelo segurança pela identidade falsa, Valentina puxa outra. “O que a identidade do seu irmão tem a ver com isso?” pergunta o guarda, ao que a protagonista responde, “essa sou eu, cinco anos atrás”.

É ao retratar com tamanha naturalidade a vida de uma menina trans que Valentina encontra sua maior força. O longa acompanha a personagem durante uma grande mudança em sua vida: a geográfica. Sua mãe, a enfermeira Márcia (Guta Stresser), passou para um concurso e passa a trabalhar em um hospital em uma pequena cidade no interior de Minas. Como em toda mudança, problemas ocorrem: para que Valentina possa utilizar seu nome social, é necessária a assinatura do pai, que não dá sinal há meses, e talvez a cidade não seja tão amistosa quanto possa parecer a princípio.

Filmes sobre temas LGBT costumam ter, em sua maioria, tons dramáticos e até mesmo finais tristes. Moonlight, de Barry Jenkins, mesmo com um final mais otimista, possui mais a tristeza como motor narrativo do que qualquer outra coisa; e Weekend, do diretor Andrew Haigh, também é marcado por um certo fatalismo de um relacionamento fadado a ser efêmero. Mas Valentina busca uma aura mais normalizadora, menos trágica para sua protagonista. Valentina se aceita muito bem, obrigado, assim como sua mãe, e, em certa medida, seu pai, ela também não tem problemas em fazer amigos. Por muitos momentos de Valentina, o longa é mais um famoso coming of age cuja personagem é trans, ponto.

O que não quer dizer que conflitos com a sua identidade não existam, já que o diretor e roteirista Cássio Pereira Santos sabe que o mundo não é gentil para pessoas LGBT. Ele não esconde a transfobia, mas não se deixa levar por ela. A existência de Valentina não se resume a dor, e todos os problemas que ela enfrenta partem exclusivamente dos outros. O que ela mais deseja é ter uma existência da menina comum que ela é, o que acaba sendo impedido isso são pessoas que foram caçar problema. É na encenação desses conflitos inclusive que Valentina peca um pouco, se apresentando de modo deveras caricato, com as famosas frases prontas como “isso aqui é um ambiente de família” ou “ele é um cidadão respeitável”.

Mas talvez esse preconceito se encaixar tão mal com o resto do filme possa ter seu propósito. Se a existência de Valentina é absolutamente normal, nada mais correto que aqueles que se opõem a ela de algum modo soarem absolutamente deslocados naquele mundo. E, ao final, pode não ser muito realista que o preconceito de muitos seja derrotado pela união de alguns, mas é mais interessante que Valentina termine com um sorriso mesmo, de dor já basta a fora das telas.

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