Desafiadores do Destino e o steampunk brasileiro

Existe um trabalho fantástico em curso no Brasil para realização de quadrinhos com gêneros e temáticas diferenciados do que jamais tivemos em nossa história. Se Maurício de Souza com sua Turma da Mônica apresentou esse meio artístico para diversas pessoas, a atualidade necessita de novidades para esse campo, explorando algo que nunca tinha sido feito antes. Com isso, Desafiadores do Destino é mais uma dessas tentativas únicas e necessárias da nona arte nacional, buscando trazer uma estética steampunk sem deixar de lado o DNA latino-americano.

Lune Lefevre é chamada para liderar um grupo de mercenários habilidosos para poder mediar um conflito recorrente das Ilhas Falkland, que é disputada pelos reinos de Lemúria e Atlântida. Nesse simples pano de fundo, já é possível observar a riqueza historiográfica criada para a HQ. Apesar de pouco explorar tudo que é demonstrado e as diversas pinceladas políticas existentes dentro do universo, é uma ótima imaginação inicial para uma obra que pode se expandir cada vez mais. Os detalhes ultrapassam simples questões estéticas dos lugares, adentrando as vestimentas e os detalhes na utilização dos poderes da equipe principal. Além disso, o interessante detalhe sobre ‘O Quinteto’ (uma espécie de legião de domina o mundo, algo como um conselho vulcano, de Star Trek) indica um autoritarismo vigente no contexto social, fato explorando ao longo das páginas.

O roteiro de Felipe Castilho possui seus méritos no entendimento de mundo e nas conversas entre os personagens. É possível entender de cara o pensamento de cada um no barco, ocorrência essa que é corroborada pelos flashbacks mostrando o recrutamento de todos. É como se fizesse sentido aquele microuniverso da tripulação. Entretanto, aí também se encontra o principal problema da obra: a falta de um desenvolvimento pessoal. Se o leitor consegue captar e internalizar as características principais, o mesmo não pode ser dito sobre um afeiçoamento e a real construção de uma equipe. Sendo assim, o final desse volume manifesta quase uma falta de espaço para o aperfeiçoamento dessas ideias.

Castilho, como dito acima, ainda consegue ser bem imaginativo na maneira que a narrativa acontece. A relação dos demônios, ódios antigos, uma guerra sem fim, tudo é factível, o que gera uma facilitação para o público gostar da trama. O problema é a falta desse espaço para gerar uma real expectativa de mais aventuras com os tripulantes.

O traço de Mauro Fodra capta uma essência steampunk difícil de ser vista em uma arte de desenho. A relação tribal de alguns lugares – como é o caso dos índios – em conjunto com alguns grandes prédios cria um intrigante ambiente relacional para esse universo. O curioso ainda vai para o caminho do desenhista de querer buscar elementos africanos e nativos, de maneira que passe um entendimento da origem humana nunca ser esquecida, mesmo que em um futuro extremamente distante.

Apesar disso, há um problema também estrutural na formação dos quadros de Fodra. Existe uma tentativa – que tem sido um padrão das HQ’s atualmente – de levar a uma ideia cinematográfica com a progressão dos quadros, funcionando em determinados meios e outros não. No caso daqui, entra no segundo ponto, visto que existe uma guerra em boa parte das páginas, tornando a geografia das cenas um pouco confusa, mesmo sendo em planos parados e estáticos.

Mariane Gusmão realiza um trabalho ímpar no processo de colorização, integrando-se perfeitamente ao trabalho realizado na história e nos desenhos. Ela consegue gerar um ambiente vivo e realmente existente na imaginação do leitor, que consegue pensar em como aquelas estruturas funcionam.

Desafiadores do Destino é um quadrinho extremamente importante para o atual momento da nona arte no país. Se a questão na atualidade é buscar novas maneiras de criar uma narrativa e explorar novos gêneros, os exemplos podem ser diversos nos últimos 5 anos, todavia essa obra transforma o próprio steampunk em uma identidade nacional. Se a síndrome de vira-lata não bater forte dentro do gênero, esse pode ser o início de algo muito maior para o cenário de HQs no Brasil.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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