Entrevista com Marcello Barbosa e Aude Chevalier-Beaumel, do documentário Indianara

A cena inicial de Indianara é bastante marcante. A ativista, junto de algumas outras amigas, acompanham o enterro de outra companheira trans que morreu. Todos parecem abatidas, mas quase acostumadas com essa presença. Após o enterro, Indianara pergunta: “para que fazemos isso tudo, se no final estaremos todos aí?”. Tantas diferenças, ela diz, que acabam em um mesmo final. O retrato existencialista dessa figura é quase quebrado quando, na cena seguinte, vemos uma personagem dançante e cuidadosa.

“Sempre achei muito impactante começar com o fim de tudo. Mas essa cena em especial, coloca uma ativista sob uma questão muito forte: para que lutar se tudo termina embaixo da terra?”, comenta Aude Chevalier-Beaumel, co-diretora do documentário que conta um pouco da luta da militante trans Indianara. Marcello Barbosa, o outro diretor, concorda com a situação do fim e ainda destaca a sequência, pelo fato de ” que são uma situação coletiva”.

O longa não traça delimitações claras. Ele possui ideias e faz uma corrida – assim como as gravações, segundo Aude – acompanhando a vida dessa protagonista. O tempo inteiro, com a câmera ao seu lado, ela vira heróina de sua própria trajetória. Nesse sentido, vemos sua busca pelo protagonismo (como na cena em que reclamam de nenhuma mulher trans falar em um ato) e seus laços amorosos (especialmente ao lado do marido).

A intenção, assim, é retratar muito mais uma busca pelo entendimento de quem seria Indianara. Seus erros, seus acertos, mas, acima de tudo, sua existência. A diretora fala que  queria “sair um pouco do campo da política, do discurso, para busca no dia a dia, as coisas mais humanas”, uma contradição que levaria a revelar a humanidade, muitas vezes pouco reconhecida em militantes.

É nesse desenvolvimento da história que acompanhamos a vida de quase uma heróina, como aborda Marcello. Para ele, não houve uma intenção de reforçar certas características negativas – no objetivo de não ser militante -, porque “os corpos [das mulheres trans] trazem muito disso”, assim “não precisou reforçar”.

A visão dos dois, ao final das gravações e do lançamento, é de perceber Indianara Siqueira como uma grande “educadora”. Tal palavra, repetida pelos dois, traz um sentido de que o longa pode ser uma verdadeira escola de aprendizados sobre a condição de vida e as necessidades. Chevalier-Beaumel relembra, nesse quesito, inclusive, o fato de como ela se relaciona com os espaços, algo extremamente forte dentro da sequência final.

As marcas

Dois momentos específicos se destacam na narrativa. São eles: a morte da vereadora Marielle Franco e a eleição de Jair Bolsonaro como presidente. Ambos ocorridos em 2018, tais eventos são intrínsecos a vida política recente no país e não poderiam estar de fora da complexa relação que Indianara tem com a política. Enquanto o primeiro é retratado como um grande luto dentro da obra, com um forte uso do silêncio, o segundo explora quase uma tentativa de respiro em um mar de problemas do futuro.

“Houve a decisão de parar por ali porque havíamos chegado no fim, quase no fundo do poço”, diz Aude. Ela ainda lembra que, com o despejo da casa nem e a invasão de outro espaço, tudo encaminhava para entender que aquele ciclo se fechava.

Barbosa concorda, salientando que “discutir esse momento era importante”, por estar envolvida na vida de todas as pessoas.

O fato é que Indianara trabalha para olhar esses acontecimentos drásticos do ponto de vida daquela mulher como pessoa, como ser social. Seu sofrimento duplo abate e traz quase uma perspectiva do que estaria acontecendo dentro da sociedade. Com isso, a diretora lembra do início da obra, no enterro. Aquele anúncio de morte estava presente na nossa frente o tempo todo.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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