“Meu trabalho tem uma intimidade com a política”, diz Laerte sobre A Cidade dos Piratas

“Isso não chega a ser uma supresa pra mim, porque eu to trabalhando a 40 e tantos anos e porque eu sempre fiz comentários sobre o contexto politico da época, sempre fiz uma associação ficcional e fantasiosas com o que tava acontecendo na política. Meu trabalho tem uma intimidade com a política e tudo”. Foi assim que Laerte Coutinho começou comentando sobre a possibilidade de relação entre A Cidade dos Piratas e toda a questão política atual. O filme, na qual perpassa pela carreira e obra da quadrinista, parece estar diretamente conectado com acontecimentos contemporâneos. E isso não apenas por seu discurso contra o presidente da república Bolsonaro. Mas, também, por todo o clima provocado durante os últimos anos.

Entretanto, a história não começa e nem tem essa pretensão diretamente. A busca é contar cinco histórias paralelas, através de uma montagem meio insana. Intercalando os diversos acontecimentos entre essas tramas, na qual são, do mesmo modo, conectadas, a narrativa busca ser uma grande homenagem ao trabalho da artista. O longa não serve apenas de uma homenagem. É uma ode a toda a produção e contribuição de Laerte para o cenário brasileiro da nona arte.

“O processo foi bem caótico, bem como eu gosto”, revela Otto Guerra, diretor do projeto, em entrevista por telefone. “As coisas foram acontecendo e entrando no roteiro. Fiz uma coisa bem viva, digamos. O filme pareceu ter sido feito para o mmento atual, sendo que as histórias são baseadas em criação atuais. O Azevedo, o político, é um personagem que parece calcado em cima do Bolsonaro, mas não é, é uma coisa da Laerte, ela tem essa coisa visionária”.

Ele ainda relata que o projeto teve uma “sorte” a tudo acontecido desde 2016, com o impeachment e a eleição de Bolsonaro. “A gente começou fazendo dos quadrinhos dos anos 80 e chegamos até trabalhos atuais dela. A gente jogou nesse caldeirão. É uma espécie de farol, uma luz, o trabalho dela nesse momento. Os cartuns dela são muito precisos, uma síntese do que acontece agora no Brasil”, diz.

Os personagens utilizados dentro do enredo são todos oriundos das realizações da própria quadrinista. Quando se assumiu como mulher trans, em 2011, Laerte teve de lidar com diversas questões, inclusive questionamentos pessoais sobre essas figuras. Tendo aposentado todos anteriormente, quem sobrou foi Hugo, na qual se “transforma” em Muriel, como a mesma relata. Ela foi sua criação que ficou mais tempo presente, especialmente por todo o pensamento em torno da transgeneridade.

Sobre a transposição para as telas de cinema, ela se diz honrada, por ter sido “um trabalho bem sucedido”.

“É sempre uma coisa intrigante, de despertar reflexão e tudo, para alguém que trabalha com mídia impressa, ver seu tabalho desenvolvido para animação. Porque é isso, o movimento é uma ação do tempo e o tempo não existe na mídia impressa. Lá, ele é uma suposição. O que existe ali é o espaço”, conta em entrevista ao Senta Aí. “Há quase uma inversão assim, que é um desafio, uma coisa, mas que proporciona bons resultados, resultados surpreendentes”.

Tanto Otto, quanto Laerte, possuem personagens próprios dentro de A Cidade dos Piratas. Os dois se autodepreciam o tempo inteiro, buscando achar sempre respostas das diversas questoes. Guerra, por exemplo, sofre com as dificuldades da criação de um roteiro, enquanto isso busca uma maior unidade dentro da história. Já Coutinho está onipresente, seja pelo lado de entrevistas ou até pensamentos sobre como mesclar esses personagens.

“Eu tenho uma mania de liberar demais. As pessoas fazem as coisas por conta própria. Essa metalinguagem dentro da metalinguagem. Eles [os animadores] foram sacando e eu achei engraçado, então vale a pena rir da gente mesmo”, comenta o diretor. “Eu fiquei com câncer e não me importei mais em brigar com todo mundo, em dificuldade o processo. A Laerte virou uma mulher. É complicado perceber essa realização. Toda essa questão saiu do mundo real e brigou com a história. Fez parte da história”.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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