O Exorcista e o medo constante
Se há algo constante em nossa vida, é o medo. Ele nasce desde nossa infância, sob uma origem até sobrenatural, passando por uma relação muito mais intrínseca aos seres humanos. Esse pode se dar de maneira mais aberta ou até obscura, como o receio em andar em uma rua deserta a noite. Por essas questões, o terror é tão relacionado ao cotidiano, por estarmos a todo tempo lidando com nossos próprios temores internos, além dos que a sociedade coloca a nossa volta.
Todavia, e se o medo viesse de algo totalmente sobrenatural? Se realmente nossos mitos infantis de monstros se transformassem em realidade? William Peter Blatty busca responder isso em O Exorcista. Aqui, a história não é focada na possessão e no exorcismo em si, mas em todo o processo de destruição familiar e individual provocado pela aparição dessa figura. Todo o entorno sobre a conexão disso com os pavores internos, receios de cada personagem e a maneira pela qual se afetam em cima do caso. Sobre o qual de envolvimento da sociedade em torno da nossa natureza. É sobre o medo constante que assombra e convive conosco diariamente.
Para contar essa trama, Blatty fala sobre o demônio Pazuzu e sua entrada no corpo da jovem Regan, filha da famosa atriz hollywoodiana Chris. A garota começa a realizar diversos atos bizarros, fazendo a mãe lidar com o problema sob os mais diversos vieses. Entretanto, quando a única justificativa parece vir do caminho irreal, não resta outra escolha a não ser o ato extremo do exorcismo.
Toda sua conexão com a trama é transpassada de forma bem clara a todo instante. Desde o início, quando nos deparamos com a escavação no deserto, o mal é levado como uma força onipresente, assim como a figura de Deus, exposta pelos padres. A obra pouco busca se aprofundar em uma tentativa de explicação ou até mesmo em relatar a briga desses poderes, mas ela acaba encostando bastante nessas questões. Porém, acima de tudo, o mais importante é para a consolidação dramática extremamente bem idealizada pelo autor, na qual eleva tudo a máxima potência. Desde sequências aparentemente mais ‘simples’ (a urina de Regan na sala entre os amigos da mãe) até situações mais tensas (a subida do corpo em conjunto a cama), tudo é fundamentado dentro dessa situação altamente dramática.
Aliás, toda essa consolidação se dá de maneira ainda mais clara com o desenvolvimento profundo da figura de Chris. Inicialmente mais pomposa perante aos outros, ela acaba por se autodestruir aos poucos, mas não fisicamente, e sim emocionalmente. A aparição do padre Karras – mais na segunda parte do livro – se transforma em fundamental a essa personagem, em saber lidar com as diversas possibilidades do que tem acontecido em sua vida. Além disso, o fato desse ser um psicólogo, leva a certos embates filosóficos e psicológicos entre os dois, aonde potencializam essas figuras altamente fragilizadas. Chris, em diversas circunstâncias, parece cada vez mais confusa, apenas aceitando a busca pelo melhor de sua criança.
O horror sobrenatural dá as caras em grande parte do terço final do volume, principalmente na sequência do exorcismo em si. Todavia, é interessante como William trabalha o medo não apenas de um lado fora do campo metafísico, mas também dentro da realidade, algo emergido na figura do policial Kinderman. Sua personalidade, meio enxerida, meio carinhosa, busca entender toda essa questão, idealizando diversos pensamentos em sua própria cabeça. Ao mesmo tempo, o medo para ele, do mesmo modo, está no fato da possibilidade ou não da garota ter feito uma atitude criminosa e matado uma pessoa. Esse embate gera quase outro questionamento filosófico, muito mais voltado a moral, mas pouco explorado nos capítulos. A boa faceta do personagem possibilita um receio por parte dos leitores sobre paradeiros e verdade nisso tudo.
É impossível pensar em O Exorcista e não falar de uma revolução do terror na literatura. Enquanto H. P. Lovecraft buscava o sobrenatural para falar os humanos, William Peter Blatty faz exatamente ao contrário. O fora da normalidade aqui, esse medo, faz parte intrínseca da nossa correlação com a natureza, além de ser a nossa maneira de ser por si só. Entretanto, ela não é uma ação perante ao mundo e sim nossa passividade perante aos acontecimentos. Em uma narrativa sobre demônios, Blatty pensa sobre nós, sobre como lidamos com o medo que sentimos, independente de qual ele seja. Mesmo ao tentarmos fugir, ele insiste em correr atrás de nossos pés e puxá-los. A morte é apenas um fim comum, mas entender como e por que chegamos a ela, essas perguntas ficam ao leitor.