Resenha – Gótico Nordestino (Cristhiano Aguiar)

Gótico Nordestino é um livro de referências, por assim dizer. E, o melhor de tudo, nenhuma vedada ou que parece querer enganar os leitores. Não, Cristhiano Aguiar é claro quando demonstra que tudo aquilo escrito faz parte do seu escopo imaginativo e, ao mesmo tempo, da sua trajetória de vida. Só que não apenas dele como pessoa física e única, e também de um imaginário coletivo da população mundial sobre os medos e “monstros”, por assim dizer, construídos em meio à literatura gótica advinda, especialmente, do século XIX. E como essa aparece no presente? É um pouco disso que o autor irá tentar explorar.

Essa busca acontece dentro da obra através de nove contos. Alguns menores, outros maiores, mas todos que vão abarcar essa perspectiva de um terror/suspense de uma forma de literatura do passado. Aguiar traz em seu estilo uma provocação muito descritiva, fundamental também para os artistas góticos originais, que se baseavam bem mais em um medo feito na cabeça de quem estava lendo. É um terror menos físico diretamente, e mais relacionado a algo quase impossível de entender. Só que, talvez por uma dinâmica dos tempos contemporaneos, o texto aqui trata isso de um jeito bem mais aberto a possibilidade. Assim, por exemplo, em muitos contos, o mal ou a figura macabra já é reconhecidamente sabida pela população local – ou família, em certos casos.

Porém, Gótico Nordestino não está apenas interessado na performance desses efeitos do terror propriamente dito. Ele consolida um ambiente tipicamente brasileiro para trazer essas narrativas aqui. E isso, obviamente como diz o título, acontece dentro da região Nordeste. Um terreno ferto para uma ficção especulativa, especialmente por desconstruir uma ideia dominante que o local seria de predominância da população pobre e com menos “inteligência”. Aqui, os personagens tem noção do seu ambiente e também das relações com essas figuras estranhas que vão sendo colocadas em cada história. Um exemplo é em “Lázaro”, que ainda traz todo um contexto da pandemia da covid-19, e coloca a protagonista como uma voz super confusa com a situação que enfrenta, mesmo entendendo ela por completo.

Aguiar introduz também toda uma série de elementos folclóricos, como se fossem partes predominantes de um ambiente maior. Elas não são apenas características de tramas que se passam especificamente em uma região, ou até mesmo de algum período de tempo. Elas são todas pertinentes e correlacionadas de uma humanidade única e desse entendimento de todos pelo medo. De que forma esse receio e esse pavor do desconhecido acontecem? A partir do instante que nos vemos violados por isso.

Então, como reconhecer e descobrir esse momento? Através de uma percepção de mundo totalmente fora de uma alienação tradicional de mundo. A partir do exato segundo que estamos conectados com um universo inimaginável, as possibilidades são infinitas e até mesmo a ideia da crença pode ser complexificada e cada vez mais debatida. O autor consegue trazer esses elementos de forma bem direta ao longo de cada uma das histórias, sempre por conta dos protagonistas cansados em um mundo que o pavor parece os cercar.

No fim das contas, o livro Gótico Nordestino consegue transitar entre uma diversão pura e simples e uma concepção de um universo internacional para narrativas góticas. Se essas histórias foram fundamentadas ao longo da Idade Média em uma Europa inteiramente diferente do Brasil atual, o que as torna correlatas é o medo onipresente dentro de sociedades. Mesmo que ele seja reconhecido e que saiba que está a espreita, muitas vezes é impossível saber em que momento ele irá aparecer ou atacar. Dessa forma, a única defesa é ficar atento, e viver uma vida normal, já que o fim talvez carregue a todos.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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