Resenha HQ – Jack Kirby: A Épica Biografia do Rei dos Quadrinhos (Tom Scioli)
Jack Kirby: A Épica Biografia do Rei dos Quadrinhos começa realmente do início. Tom Scioli traduz os primeiros passos da jornada de Jack Kirby ainda na infância, na Áustria-Hungria. Sob o nome de Jacob Kurtzberg, é interessante perceber a construção de um certo deslumbramento de mundo que irá trazer questões positivas e negativas para o personagem que iremos acompanhar. Ao contar a história em primeira pessoa, o autor deixa ainda mais clara como a jornada será para acompanhar uma visão bem única também dessa vida e trajetória, que vem dessa terra distante. Uma das sequências em que mostra Kurtzberg olhando uma imensa página de quadrinhos já denota bem a paixão por aquilo tudo que viria.
Demoramos um certo tempo a acompanhar o mais curioso aos fãs do mundo da nona arte: sua trajetória nessa indústria. Inicialmente, é importante conceber um desenvolvimento de um protagonista que será multifacetado na sua essência. Assim, o lado tronco, de conflito e de brigas é retratado de forma bem clara. Do mesmo modo, sua ida até a Guerra também é um desenvolvimento interessante sobre um lado mais obscuro e bastante tenso de Kirby. Esses pontos servem como maneira de impulsionar como sua relação com os quadrinhos irá se formar: sempre através dos conflitos internos.
A escolha da forma de Scioli em trabalhar quase tudo como papel antigo e em um traço que mistura o brega, o cartunesco e o peso da vida do artista também traduzem uma espécie de sensação nebulosa que é acompanhar esses desenvolvimento. Suas parcerias, seja com Joe Simon ou com Stan Lee, entre outros, são sempre trabalhadas dentro do aspecto de uma frieza. Enquanto a figura de Jack Kirby é extremamente distante no relacionamento, ele também é absurdamente criativo e cheio de ideias e experimentações possíveis. Isso acaba trazendo seus diversos conflitos dentro do mundo editorial. O maior de todos eles é sobre a paternidade de alguns dos grandes personagens da Marvel, como Hulk, Homem-Aranha, entre outros.
Esse é um dos pontos de virada mais relevantes para Jack Kirby: A Épica Biografia do Rei dos Quadrinhos. Tom Scioli, contando a narrativa do ponto de vista do artista biografado, traz uma sardinha para o lado de Jacob. A discussão acaba se desenrolando em boa parte do meio até o fim do quadrinho, que dá destaque a uma espécie de sentimento de culpa e ingratidão por tudo criado. E isso passa desde o fato de Lee não colocar créditos para ele na criação das HQs até o lado financeiro, de lucrar em cima disso. É importante lembrar como Kirby nunca viveu uma vida com qualquer luxo, algo que a obra faz questão de dar destaque.
Apesar disso, é muito bonita a forma que o autor transforma essa exclusão para uma relação complexa de admiração em grandes nomes que surgiriam na sequência. De certa maneira, é muito curioso como a produção de Tom se transforma também em uma passagem pela história dos quadrinhos e pelo mundo editorial dos Estados Unidos. As aparições e desaparições de figuras chaves nesse contexto mostram bem como esse universo era dividido entre maisntream e o mundo independente, algo que acabou gerando mais aglutinações futuramente. A emoção de Jack Kirby ao perceber todo esse reconhecimento é também algo forte, que gera quase uma sensação de pessoalidade com o protagonista que acompanhamos até ali.
Se iniciamos a HQ vendo uma espécie de lugar nenhum para o qual surgiria uma figura como Kirby, no fim dela vemos como estamos conectados a vida do artista. Mais do que qualquer coisa, o trabalho de Tom Scioli em Jack Kirby: A Épica Biografia do Rei dos Quadrinhos é também uma tentativa bastante nostálgica de lembrança. Apesar dos fãs de nona arte nunca terem esquecido, o nome do quadrinista ficou muito tempo escanteado, sempre sendo deixado renegado e sem a devida atenção para talvez o maior revolucionário nas produções em quadrinhos norte-americana. Por isso, é sempre necessária a lembrança. Ao fim, Scioli mostra bem como sua referência não é apenas para os que vieram e também para os que estão ainda presentes nessa indústria. E, claramente, estará pavimentada para sempre em qualquer lugar que se ver estampado Marvel ou DC.