Resenha – Polina (HQ)
Como se tornar perfeito em alguma coisa a ponto de ser quase incontestável? Dentro do filme Whiplash, isso se transforma em uma obsessão por parte do personagem principal. Porém, e se a pessoa buscasse chegar até esse caminho, mas também tivesse medos para ir com afinco dentro disso? É essa a história de Polina, que dá nome à nova HQ de Bastien Vivès no Brasil. Junto ao longa-metragem, aqui acompanhamos uma jornada artística sobre virar uma lenda – porém, no mundo do balé. Assim, ao longo de diversos anos, vemos o desenvolvimento da protagonista e toda sua relação com um metódico e carrasco professor.
O autor traça a narrativa em quatro momentos: na infância, adolescência, vida adulta e como celebridade. Essa divisão é importante para entendermos como Polina usará um aprendizado de algum período anterior para se tornar outra pessoa. É bem claro como há um olhar de compaixão com ela, devido a todo esse esforço. Vivès não esconde uma certa admiração por toda a forma como a personagem irá transformar a vontade com um esforço e vontade de trabalhar com aquilo. Em determinado momento, é como se fosse natural e fosse necessário transgredir regras pré-estabelecidas dessa arte para ser alguém ainda melhor. E é isso que o quadrinho busca retratar, acima de tudo.
Esse olhar cadenciado, que faz a trama até se tornar mais lenta, também dá espaço para que possamos entender mais cada um dos outros personagens dessa história. O mais relevante de todos é aquele que a faz desenvolver uma relação de paixão por balé: o professor Nikita Bojinski. Ele se transforma numa figura relevante para os acontecimentos pois é uma recorrente lembrança do tempo de cobrança em sua adolescência. Polina estuda com ele no momento que está comprometida também com uma escola de Teatro. Essa dualidade na forma de trabalhar, pensar e até entender uma paixão por algo é importante para a protagonista definir sobre qual caminho quer realmente seguir. Pouco importa o método dentro da HQ, o mais destacado é a forma como ele será trabalhado na paixão por aquilo.
E nisso, é impossível não dizer que Polina não é uma obra sobre amor. Bastien Vivès chega a brincar com isso de forma irônica, ao fazer a vida dela girar sempre sobre frustrações amorosas. E essas frustrações sempre acontecer em torno do próprio balé. Por exemplo, um dos meninos desiste de última hora de ir a uma experiência fora do país que ela vai. Já outro parece muito calcado em um mundo de arriscar pouco. Esses traços também demonstram com exatidão a forma que a personagem-título vai tratar uma paixão pela prática. Por isso mesmo, a figura de Bojinski é tão importante, já que ele é o primeiro que transmitirá esse amor através da realização da arte – e não em uma pressão para ser alguém, como a mãe faz no início.
Os diversos ciclos de tentativa e erro também são relevantes para construir a jornada de uma mulher. Todo esse universo vivido gera uma consolidação de um enfrentamento, de ter que passar sempre por algo para atingir seus objetivos. É curioso como isso também se traduz na maneira que a própria Polina percebe as diversas formas de dançar. Seu sucesso está diretamente atrelado na necessidade de abrir horizontes de possibilidades. Se o professor a passou uma genuína relação com o balé, ela também é capaz de construir mais e mais dentro desse meio.
Bastien Vivès faz de Polina uma HQ muito singela, no entanto absurdamente profunda. As muitas cenas sem diálogo em treinos, por exemplos, expressam apenas uma vontade de transmitir as diversas sensações na vida dessa protagonista. Desse jeito, é como se fosse um trabalho que mistura um sentimento de paixão por aquilo, e também como forma de inspiração para diversas outras pessoas que virão no futuro (uma apresentação dela próxima ao fim reforça bem essa questão). De todas as formas, estamos em contato claramente com uma lei do eterno retorno. Assim, o início da obra, com uma tentativa frustrada e um olhar de “negação” para o balé, se transforma em uma busca pelo gigantismo. E Polina vira isso que sempre buscou.