Resenha – Voyage (ABBA)

Demorou um bom tempo. Mais especificamente, 40 anos para a volta do quarteto de pop ABBA lançar um disco de inéditas. Talvez muitos fãs nem imaginavam que isso sairia mais, e outros muitos nem queriam. A obra e a construção de tudo que foi feito durante 10 anos pela banda (desde 1972 até 1982) parecia já ser um trabalho de ficar para um vida inteira. Só que o século XXI parece que trouxe Agnetha FältskogBjörn UlvaeusBenny Andersson, e Anni-Frid Lyngstad de volta para o páreo da indústria musical. O lançamento dos dois filmes de Mamma Mia!, além de uso de canções no Tik Tok reacenderam a chama dos dois casais. E isso tudo culminou em Voyage.

Era claro como os integrantes pareciam ter uma verdadeira intenção de reciclar o que já foi feito antes com perfeição. Nisso, não existia nenhuma dúvida. As duas faixas iniciais, aliás, deixam bem claro como o grupo sueco soube reutilizar o lado mais balada que sempre conseguiu fazer muito bem. “I Still Have Faith in You” e “When You Danced with Me” trazem elementos claros que já foram feitos em “The Winner Takes it All”, por exemplo. O tom épico, as vozes conjuntas e tudo mais. O grange problema é que, em 2021, feitos de uma forma bem menos marcante e expressiva. Chegando a trazer o início de uma volta, que poderia ser marcante, em cansativa.

“Little Things” segue na mesma toada, só que trazendo um clima bem mais natalino e de canção familiar. É um caminho que o ABBA não entrou tanto ao longo dos anos de carreira, podendo ser bem representado em faixas como “Happy New Year”, de 1980. Diferente das duas primeiras, entretanto, essa consegue observar um trajeto bem mais climático e verdadeiramente trazer um pontapé inicial do disco, ainda meio perdido até então.

E isso fica bem claro no que vem em seguida, com “Don’t Shut Me Down”. Se tem alguma música que pode representar bem Voyage é essa. Todo o início acalentado, rememorando o que estava sendo realizado nas três primeiras, para uma mudança brusca, abraçando um disco pop totalmente anos 70. A batida constante e os teclados fortes representam bem um caminho curioso para shows, por exemplo. Tem cara de ser uma das faixas que pode se tornar mais marcantes ao longo do tempo e na trajetória musical do quarteto. Essa criação da produção se intensifica ainda mais pela seguinte, “Just A Notion”, que traz um grande mix de uma banda de rock dos anos 60 e 70, com o pop clássico da década de 80 junto de um olhar para o vocal que parece ser mais trabalhado na música mundial dos anos 2010.

Essa esquisita, mas instigante produção vai se repetir em “Keep an Eye on Dan”, talvez a melhor de todas. Um trabalho que abraça um caminho eletrônico, a qual o ABBA parece que não teve muito tempo de entrar, junto do pop que abraça o caminho do épico. É literalmente o local onde os integrantes parecem querer estar, mas não sabem muito bem aonde encaixar tudo dentro das faixas. Só que antes dela, “I Can Be That Woman” caminha de um jeito já curioso, trazendo a força dos vocais para o pop que eles sempre souberam fazer muito bem. Talvez seja o grande duo que representam bem o que está se buscando nesse trabalho.

Tudo isso difere bastante da seguinte, “Bumblebee”. Se parecíamos estar vendo em Voyage alguma construção própria, um DNA sendo trazido, tudo se acaba na seguinte. Essa traz de novo os elementos de sempre por parte dos artistas (como dito no ínicio da resenha, das primeiras do CD), porém trabalhados numa perspectiva bem mais cansativas.

E se irregularidade pode ser a palavra chave para contextualizar por completo a obra, a sequência final explicita de forma perfeita isso. “No Doubt About It” e “Ode to Freedom” continuam na representação dúbia que as músicas querem trabalhar. A primeira, buscando mesclar o pop disco dos anos 70 com um tratamento contemporâneo para as vozes e o eletrônico. Já a segunda, novamente continuando com o clima de querer ser épico e até buscando elementos conjuntos com a ideia da “viagem espacial” por parte do conceito de capa. Isso não se transforma em algo verdadeiramente explícito em momento algum, aliás, apenas aparecendo como um leve toque em certas ideias.

Ao longo das curtas trajetórias no mundo da música, o ABBA sempre esteve atrás de trazer algo novo para dentro das canções. Ouvindo o disco de estreia, Ring Ring, de 1973, e o último antes da separação, The Visitors, de 1981, conseguimos ver mesclas, complexidades e diferenças. O ponto auge deles, aliás, é bem no momento próximo ao final, quando lançaram o clássico Super Trouper, de 1980. Com a volta poderíamos esperar um pouco de tudo, menos confusão. E Voyage entrega justamente um meio do caminho que parece não querer caminhar em nenhum dos lados. Nem ser único, diferente e novo, e nem um olhar ao passado do quarteto. Apesar dos bons momentos, eles parecem tão obscuros no disco que se tornam quase esquecíveis.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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