Shaft (2019) não é nada bom

Shaft, de 1971, marcou época no cinema negro americano. Foi um dos grandes representantes do período do blaxploitation, na qual eram filmes de ação com personagens negros como protagonistas. Essa tentativa de dar um destaque gerou um produção cinematográfica bem própria até os dias de hoje. No longa dos anos 2000, houve uma tentativa de trazer todas essas relações de volta. A música – destacada no original – ganhou uma remasterização, além da trama buscar uma estética única misturada nesse ideal. De certa forma, deu certo e até um certo resultado positivo. 19 anos depois, Shaft volta a ter um filme. Agora, uma tentativa de criar uma nova versão contemporaneizada do personagem. O grande problema é que ela busca ser própria e transforma-se em vazia de sentido.

Na trama, JJ Shaft Jr. (Jessie T. Usher) é um agente de questões internas do FBI. Ele reencontra depois de bastante tempo seu amigo Karim (Avan Jogia). Esse, que era do soldado americano e viciado em drogas, está tentando sair dessa vida ajudando a criar uma organização para apoio entre soldados. Contudo, após uma conversa rápida, ele vai embora correndo e aparece morto no dia posterior. Jr. vai, então, ao encontro de seu pai, John Shaft (Samuel L. Jackson), após muitos anos, pedindo ajuda para desvendar o caso.

Se tem uma questão na qual o longa tenta debater de forma mais direta é o embate de gerações. Inicialmente, isso tem até uma tratativa de piadas mais ofensivas, quase com um cunho homofóbico e sexista, como o nome da organização Irmãos por Irmãos. Anteriormente tratado de maior naturalidade devido ao seu lado temporal – especialmente na obra dos anos 70 -, agora é visto com repulsa a atual geração. O diretor Tim Story coloca isso sendo chave aos reencontros familiares acontecidos, seja entre pai e filho, com o avô Sr. John Shaft (Richard Roundtree) e até com a mãe do protagonista, Maya (Regina Hall).

A encenação de Story, por isso, sempre baseia as relações em conflituosas. Por um lado, comicamente, até traz seus instantes de maiores risadas, porém acabam soando extremamente repetitivas durante as quase 2 horas. Por outro, pelo quesito mais dramático, não funciona por tentar se limitar a algo quase característico. Discussões acabam sendo empurradas, como a de JJ e Sasha (Alexandra Shipp) em uma restaurante, todavia tratam-se apenas de pontos isolados. Essa coesão dramática é baseada a um abandono de John perante seu filho por 25 anos. Podendo desenrolar em uma correlação mais pesada para enfrentamento desses personagens, o roteiro de Alex Barnow e Kenya Barris acaba dando espaço nesse embate a apenas um ‘padrão característico’ da família.

Nisso, a história acaba por tentar soar sempre absurda, mas sem possuir uma estética relacionável a isso. Nos longas anteriores, tudo parecia possível, com os conflitos sendo tornados exagerados para construir esse efeito meio cômico, meio divertido. Apesar de fora do tempo histórico, a produção de 2000 de John Singleton também consegue trazer esse fato sob uma perspectiva mais interativa perante a narrativa. Aqui, contudo, a estética parece querer ser de qualquer filme de ação genérico lançado na atualidade. E não digo isso ao trabalho, por exemplo, de Jaume Collet-Serra, em que busca o espaço cênico para trazer diversas novidades a ação. Parece algo sem alma e sem realmente uma tentativa de fazer um desenvolvimento com o apresentado. E, o mais bizarro de tudo acaba sendo a tentativa de buscar uma realismo meio inerente a esse mundo. Remete muito a projetos de Robert Schwentke, Steven C. Miller e Scott Mann. Falta uma identidade e linguagem única.

Apesar de não serem grandes obras primas, os dois filmes anteriores dessa trilogia buscavam se apoiar em alguma coisa ou questão. Ao tentar flertar e abusar da novidade, Shaft, de 2019, soa como uma obra inteiramente perdida. Até toda a importância da negritude para o personagem, trabalhada incisivamente no dos anos 2000, representada em um dos versos da sua música (“quem daria o pescoço por um irmão?”), é colocada de lado aqui. Em diversas tentativas de soar alguma coisa, esse longa de Tim Story parece não acertar em nenhuma. Falta um pouco de amor próprio para uma franquia que buscou sempre isso em seus personagens.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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