The Great: Revisionismo histórico e o filtro pop

Em 2006, um dos filmes mais aguardados do ano era Maria Antonieta. A cinebiografia de Sofia Coppola chamava atenção por diversos aspectos. O filme anterior da diretora, Encontros e Desencontros, ser um sucesso de crítica e o acesso inédito da produção ao Palácio de Versalhes paras gravações são alguns dos fatores responsáveis por isso. Por isso, quando o filme foi exibido no Festival de Cannes, a recepção mista foi uma grande surpresa. O olhar estilizado de Coppola, junto com a trilha sonora moderna e uma visão juvenil sobre a rainha francesa, foi motivo de muitas críticas. No entanto, hoje é possível como essa identidade é adotada até hoje quando se fala sobre produções históricas. A Favorita, de Yorgos Lanthimos e a série Dickison, da AppleTV+, são alguns do títulos que se utilizam do revisionismo histórico com uma narrativa popular, e a mais nova produção dessa lista é “The Great”, do Hulu, que chega aqui no Brasil pela Starzplay.

The Great traz, de forma satírica e bem-humorada, a ascensão de Catarina, A Grande como uma das mais prósperas e duradouras governantes da história da Rússia. Escrita por Tony McNamara, a história começa quando Catarina chega à corte russa e logo tem seus ideais românticos destruídos quando vê que o marido, o imperador Pedro III, comanda o país de maneira selvagem, perigosa e depravada. Inteligente e geniosa, a imperatriz percebe que a Rússia pode ser governada por mãos bem mais capazes – as dela. Com a ajuda de uma servente que conhece bem os segredos da nobreza e do insatisfeito Orlo, Catarina percebe que o melhor caminho para dias mais gloriosos é matar seu marido.

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O subtítulo da série é “uma história ocasionalmente verdadeira” e este é um de seus maiores trunfos. McNamara utiliza as figuras histórias e o contexto política de uma Rússia fragilizada para contar uma história da amadurecimento e mudança social, e o fato de conseguir fazer isso sem deixar de criticar as práticas monarquistas é um extra. Não é difícil para obras semelhantes caírem num maniqueísmo de trazer membros da realeza com um senso mínimo de dignidade como heróis, mas aqui há um tom quase paródico sobre as idealizações políticas de Catarina, principalmente levando em conta suas verdadeiras posições. Tudo isso torna a construção da protagonista ainda mais rica e interessante de acompanhar. Não só dela: o “antagonista” Pedro, a hilária Marial e até figuras que parecem estar lá só pelo humor como o General Velementov eventualmente ganham mais camadas que mais tarde se tornam essenciais para o desenvolvimento da trama. Embora haja claramente um gosto pelo absurdo, algo que funciona bem para a comédia e para o personagem de Nicholas Hoult, a carga dramática da história nunca é subestimada.

Tudo isso só enriquece mais ainda as atuações do elenco. Fanning, presença regular em grandes películas dramáticas, aqui tem oportunidade de desenvolver um lado ainda desconhecido pelo público. A atriz entrega uma performance ácida e carismática, com uma presença magnética desde os primeiros minutos do piloto, liderando bem uma equipe já bastante talentosa. Hoult poderia facilmente cair na caricatura do monarca louco, mas as nuances e traumas de seu Pedro III se destacam tanto quanto seus surtos sexuais e egocêntricos. Phoebe Fox talvez seja a que está mais compatível com o tom irônico do roteiro, com sua Marial sendo praticamente a voz do público sobre o funcionamento da corte russa.

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Embora a maioria das coisas funcione, como a estrutura quase procedural de um problema por episódio, a repetição de alguns elementos já estabelecidos no começo da trama ao longo dela podem se tornar cansativas. Embora os dez episódios sejam bons, não seria difícil que fossem oito excelentes no lugar deles. Ainda assim, o primor técnico em relação aos figurinos e cenários e a direção que tira o melhor proveito de tudo que funciona torna esta primeira temporada uma produção fácil de assistir, com um alto valor de entretenimento, mas também cinematográfico. Portanto, o tom de The Great pode ser um pouco exagerado demais para alguns, mas uma produção primorosa, um tremendo trabalho de elenco e um texto dinâmico, hilário e inteligente fazem dessa uma das melhores séries de 2020.

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