Crítica – Radioactive

Cine biografias carregam uma má fama. E não sem boa razão, já que é frequente que elas apostem num comodismo narrativo, perdendo o foco do que torna o biografado tão fascinante, ou então, diante da incapacidade de se resumir uma vida inteira em duas horas, decidem partir para um “Melhores Momentos” da carreira do protagonista, se tornando mais um slideshow do que um filme propriamente dito. Recentemente, duas biografias foram lançadas, uma que representa o pior do gênero, Bohemian Rhapsody (veja nossa crítica aqui), e outra que mostra que, com um pouco de inventividade, dá para construir uma experiência memorável – o caso de Rocketman.

Radioactive, biografia de Marie Curie dirigida por Marjane Satrapi, é um filme preso entre essas duas possibilidades de execução. Ele intercala entre uma narrativa mais “compartimentalizada”, acompanhando fases diferentes da vida da cientista, mas buscando mais do que simplesmente contar os eventos da vida de Curie, explorando as conexões entre ciência e sentimentos humanos, ou a ímpetos que não tem nada a ver com a racionalidade científica.

Radioactive acompanha a premiada cientista, interpretada aqui por Rosamund Pike, ao longo de sua carreira, da descoberta dos elementos rádio e polônio até sua participação na I Guerra Mundial. Muito do seu trabalho científico é representado, claro, por diversas as montagens de Curie em seu laboratório, realizando testes e experimentos. No entanto, a obra nem sempre é pautada por isso, não tendo medo de explorar assuntos mais esotéricos, por assim dizer. Quando ela pergunta para Pierre (Sam Riley) o porquê do interesse em trazê-la para o laboratório dele, ele responde “instinto”, e toda a relação deles é pautada por essa questão não tão científica, apesar de ser isso o que os une.

Não à toa que os momentos mais inspirados visualmente do filme se dão quando o par está junto, sempre conectando os sentimentos dos dois aos eventos físicos e químicos que os cercam. O primeiro beijo do casal é marcado por uma forte chama ao fundo da cena. Após transarem, Satrapi conecta o evento com a ebulição de uma molécula. Tudo criando paralelos visuais muito interessantes entre a vida dos dois com suas atividades intelectuais, porém sempre deixando claro que há algo que “escapa” à racionalidade pura. Similar ao momento do “instinto” de Pierre, em certo momento, Curie afirma ter “fé” naquilo que diz.

Mas então, quando Radioactive entra no seu segundo momento, com Pierre fora de cena, logo adota o ritmo mais célere e comum de biografias, e os eventos viram itens em uma lista de tarefas, com a produção abordando os ataques xenófobos que Curie sofreu, e um affair que teve com outro cientista. Entretanto, isso acaba passando adiante para seus feitos durante a I Guerra Mundial. Esse evento em particular é muito interessante, mostrando Curie navegando as águas da política em favor da ciência, e os campos de batalha, esparsos e sombrios, apropriadamente representando a futilidade e os horrores da guerra.

Há também uma tentativa de colocar em cena o legado deixado pela descoberta da cientista. Com diversos flashforwards mostrando eventos que derivam da descoberta da radioatividade, alguns bons (como um tratamento para o câncer) e outros trágicos (como o bombardeio de Hiroshima), esses instantes são pouco integrados à narrativa – com exceção de um, criado em paralelo com um discurso sobre as benesses da ciência – e acabam atrapalhando o ritmo da obra.

Radioactive não é a típica cine biografia “isca de Oscar”, como sempre aparece de vez em quando. A sua ambição de se destacar do bando é visível, mesmo que não consiga se desvencilhar totalmente das falhas tão presentes do gênero. Entre o banal e o instigante, o longa de Marjane Satrapi certamente deixa sua marca, ainda que não seja profunda o bastante.

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