Crítica – Nosso Sonho

O ano no cinema brasileiro está sendo marcado pelas cinebiografias. Desde Mussum: O Filmis, que ganhou o Festival de Gramado, Ângela, até os vindouros Meu Nome é Gal e O Meu Sangue Ferve Por Você. Entretanto, talvez o que tenha gerado mais expectativa deles é Nosso Sonho, que retrata a história e trajetória de sucesso da dupla de funk carioca Claudinho e Buchecha. E essa espera tem muita relação com a conexão que a dupla criou com a música dos anos 2000 e o fortalecimento do funk como gênero de sucesso no Brasil. Até por isso, a obra parece, desde sua cena inicial, ter uma noção clara do que quer fazer: ressoar como uma homenagem e marco para o futuro.

Nos momentos iniciais, vemos a primeira conexão entre a dupla, enquanto crianças. Na narração, Buchecha, ou Beto (Juan Paiva), fala que, naquele momento, conheceu um anjo, Claudinho (Lucas Penteado). Ele que o salva de um afogamento e a fala deixa clara que ele o salvará muitas vezes no futuro. Esse lado espiritual e quase lúdico por parte da figura do amigo, acaba deixando claro o elemento que mais faz falta em todo o filme: uma verdadeira construção dramática da dupla, e não apenas de Buchecha – o protagonista da história.

Cena do filme Nosso Sonho. Foto: Divulgação

Só que o filme de Eduardo Albergaria tem uma ideia bem óbvia de querer ressoar enquanto produto de um tempo, de uma observação do passado mais do qualquer coisa. Não a toa, a preocupação do diretor é bem menos em, por exemplo, mostrar a realidade das favelas, e mais nas outras possibilidades que esse mesmo ambiente tem, que não se relacionam com a violência. O momento em que ambos se encontram mais velhos, na qual vão para um baile apenas curtir, demonstra bem essa idealização construída, trazendo um aspecto de nostalgia.

Enquanto um filme sobre uma dupla em construção e ao abordar toda a musicalidade presente ali, Nosso Sonho consegue se sobressair. A direção encena de forma a abraçar uma estética quase de videoclipe cada momento musical (“Rap do Salgueiro” e “Só Love” são aquelas em que isso fica mais evidente). Aliás, são esses que mais reforçam a relação de dupla e toda uma conexão muito natural em tela dos dois atores. A musicalidade da edição é mais uma a enaltecer esse momentos.

Se todo o aspecto que envolve a música e a trajetória da dupla são os grandes pontos altos, o mesmo não pode ser dito para os dramas individuais. Enquanto a relação de Buchecha com o pai Souza (Nando Cunha) é extremamente repetida, inclusive usada como uma interjeição visual pela narração – independente de tudo, ele sempre ficava retornando para a minha vida -, Claudinho é apenas uma figura santa. Sem profundidade, nem história, ele parece quase uma persona esquecida quando o longa entra de vez nessas histórias. O mesmo pode ser dito para os romances que ambos tem, feitos de maneira agilizada, e o resto da família do próprio Buchecha. Obviamente, o filme sabe se usar das cenas em que todos estão juntos para construir uma profundidade quase inerente. O problema é que ela para por aí.

Cena do filme Nosso Sonho. Foto: Divulgação

Falando em agilidade, ela acaba ficando extremamente presente no terço final. Ao dar enfoque muito grande para algumas coisas e pouco a outras, Eduardo Albergaria transforma seu final em apressado até demais, mesmo conseguindo fazer dos dois momentos mais emocionantes nas pouco mais de duas horas como impactantes. Ele retoma até mesmo essa visualidade espiritual no entorno de Claudinho ao fazer o momento da morte. Aliás, a obra nunca abraça a encenação desses instantes, deixando sempre a reação como a mais importante, a vida como verdadeiramente o necessário.

Nosso Sonho anda em alguns percalços. Apesar disso, é um filme muito consciente ao trabalhar a possibilidade de duas pessoas negras e de uma favela no Rio de Janeiro. É como se realmente não importasse as complicações sociais, e sim as vitórias. No fim, é uma obra que consegue construir essa celebração, mas menos por conta da sua história como um todo. E sim, mais por causa da espetacularização visual de dois marcos, dois mitos fundadores de uma espécie de cultura brasileira particular. É como se, ao registrar essas músicas, elas precisassem ficar gravadas no tempo, na memória de quem assiste.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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