Crítica – O Que Ficou Para Trás

O “novo”, no terror, é, ironicamente, lugar comum. Há um sem fim de produções que usam a inquietação de se estar em um lar novo, por exemplo, como matéria prima para o suspense. E o novo é, antes de tudo, algo estranho por natureza. Ao lado disso, o trauma psicológico também tem sido elemento primordial nas obras do gênero desde sua concepção. Assim, o longa O Que Ficou Para Trás junta essas duas questões e traz uma roupagem bem diferente do costume.

O longa, dirigido por Remi Weekes, foca em uma familia sudanesa composta por Bol (Sope Dirisu), Rial (Wunmi Mosaku) e a filha deles, Nyagak (Malaika Wakoli – Abigaba), que fogem do seu país de origem devido ao conflito que assola a região. Durante a travessia marítima, uma tempestade faz com que Nyagak caia do barco e morra tragicamente. Ao chegar na Inglaterra, o casal é acolhido pelos serviços de imigração do país, sendo alocados em uma casa oferecida pelo governo, onde devem residir por um certo período até que eles sejam aprovados a ficar no país. Para que isso ocorra, o comportamento deles deve ser exemplar. Mas logo o trauma começa a atrapalhar esse novo começo, assim como uma presença maligna começa a interferir na casa, trazendo à tona certos fantasmas do passado.

O ângulo da imigração é a grande a novidade de O Que Ficou Para Trás, e é nessa dimensão que a obra funciona melhor: trabalhando as tensões de se estar em um país que até te aceita de modo formal, mas cujo o acolhimento verdadeiro vem de modo difícil, e a própria geografia do local aliena essas pessoas, de certo modo. Na cena em que Rial precisa ir ao médico, com o auxílio somente de um mapa rabiscado em um guardanapo, e a sensação de estar perdida é muito bem representada em cena, com as ruas se tornando labirintos – o modo como Rial é filmada lembra até mesmo a cena de O Iluminado, outro filme que brinca com a geografia, em que Danny anda de triciclo pelos labirínticos corredores do hotel – e a desorientação é palpável, especialmente pela montagem, que não se preocupa em estabelecer um ligação muito coesa de um ponto ao outro.

A tensão entre assimilação a essa nova realidade ou manter certas tradições também é bem explorada, já que o próprio casal representa esses polos. Bol não tarda a mudar sua aparência e figurino, se espelhando até mesmo em propagandas na loja de roupas – estreladas por pessoas brancas – para montar seu novo visual e visualizar a família que deseja. Enquanto isso, Rial não quer se esquecer de Nyagak e de suas origens, nem que ela possa fazer algo do tipo, sua pele é marcada pelos símbolos das tribos que estão em guerra em sua terra natal, o da sua própria e de seus adversários. “eu sobrevivi não pertencendo a lugar algum”, diz ela.

Se o aspecto socio-dramático é bem desenvolvido, quando o sobrenatural chega, não tem o impacto que deveria, já que é muito reminiscente de outras produções do gênero,como, por exemplo, O Babadook, que também tem o trauma como pilar narrativo. Os filmes até mesmo compartilham o “buraco misterioso” que aparece na casa. As assombrações do longa se expressam por meio de aparições súbitas, jumpscares e afins, embora com uma “roupagem” nova.

A impressão que fica é O Que Ficou Para Trás funcionaria muito melhor como um drama imigratório ou então como terror puramente psicológico, já que é justamente no sobrenatural que ele perde um pouco de seu brilho. Um filme que lida com temas tão interessantes de modo tão eficaz terminar com um conflito com um monstrão magrelo e feio – lugar comum no gênero -, é levemente decepcionante.

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