Dead Fish fala sobre o Brasil atual em Ponto Cego

O momento político do Brasil pega fogo desde 2013. As manifestações dos 20 centavos, na época, levantaram diversas questões que modificariam totalmente o cenário dali para frente. Com a eleição no último ano de Jair Bolsonaro, alguns artistas críticos a ele começaram a produzir arte. Francisco, el Hombre já havia feito em RASGACABEZA uma demonstração dessa enfervescência. O punk e o hardcore, sempre bastante críticos pela política de uma maneira geral, especialmente a grupos pela direta, começa a dar seus passos nisso. Dead Fish, uma das maiores bandas nesse meio, lança, então, Ponto Cego. Utilizando diversas referências a todos esses últimos seis anos, eles repassam e buscam entender o porque disso tudo.

É interessante a forma como cada música aparece nesse meio do caminho. Existem algumas faixas mais diretas ao abordar as questões, porém outras deixam algo quase metaforicamente. Um grande exemplo desse segundo lado é “Sangue nas Mãos”, logo a segunda. Obviamente a letra deixa implícito todas as questões da ascensão do nazismo, mas fala sobre quem chegou ao poder de maneira menos direta, como em “O lado certo da história; Não tem sangue nas mãos” (remetendo a defesa de Bolsonaro pela ditadura militar.

Outra bastante enfática nesse sentido é “Sombras da Caverna”. Além de uma memória clara a alegoria da caverna de Platão, fala bastante sobre uma certa ilusão pairando os grupos de direita radical no poder. O verso principal traz toda essa carga falando sobre essa escolha do inimigo e uma disputa de poder bastante forte intrisicamente a isso (“Só existe o que vê; E o que vê é só o que há; A todo o resto é permitido suprimir e eliminar; Mas as sombras da caverna permanecerão lá”). Ao falar também, na mesma canção, sobre todo esse ideal de ilusão, a lembrança de um certo sentido de fantasmas torna a analogia ainda mais forte.

É quando o Dead Fish coloca esses posicionamentos mais de frente é que o álbum ganha sua potência. Músicas como “Pobres Cachorros” lembram a fase do CD Sonho Médio, na qual diversas falas remetem a classe média do Brasil. Novamente lembrando sobre a ideia do ponto cego, local que não é possível ver, a letra comenta sobre uma vitória dessa cultura da violência, explícita na presidência – “Destruir pra dominar; Agredir e avançar; Quem é mais irracional; Nada vai sobrar”. “Apagão” parece, do mesmo modo, continuar bastante esse caminho sobre uma certa forma de perda de senso por boa parte da população. Além disso, chega até a destrinchar sobre um possível arrependimento desses grupos, mas que já estarão perdidos até lá (“Quando o discurso; É posto em ação; Daí talvez já seja muito tarde; No ponto cego; O grito é em vão; A vida tem suas fatalidades”).

É impossível não comentar esse trabalho e essas relações sem falar da canção “Messias”. Uma clara alusão ao presidente, a banda não tem medo de falar toda uma questão sentimental. Talvez a inteligência maior ainda da escrita seja em nunca citar diretamente, todavia deixar claro por diversos pormenores. A abertura (“Bom dia, grupo! Olha a notícia; Sentimental e alarmista; Que desperta indignação; E aponta um inimigo”) já denota um certo sentido bem mais conectado com as pessoas facilitadoras desse nascimento do ‘Messias’, como apontado aqui. O fim, já coloca um certo caminho de uma seguida, algo que gera até um duplo sentido da palavra messias, na qual pode remeter também ao Deus bíblico (“Sacramentada pós verdade; Rebanho pronto pra aceitar; Criados pra matar; Aplaudindo o salvador”).

Em Ponto Cego, o Dead Fish coloca toda uma questão social muito presente para todos que viveram os últimos anos em terras nacionais. É um álbum muito preocupado em falar disso tudo de forma bastante direta, com todas a batidas e o baixo bem pesado, elementos comuns do hardcore. Toda essa construção da ideia do ponto cego dentro do CD vai falando não apenas de um caminho político, mas de qual maneira ela infringe no todo. Ou seja, reforma trabalhista, investimentos em educação, saúde e outros pontos também estão no meio do debate. Para os integrantes nada deve ser esquecido, até porque tudo isso parece estar ameaçado e precisa ser posto em pauta. Em um mundo de discussões sobre posicionamento político, eles não tem medo de mostrar que possuem um lado bem claro.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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