Emicida fala sobre amarelo, abraços e amizade em novo álbum
“Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro; Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro”. A frase é da música de Belchior, “Sujeito de Sorte”. O rapper Emicida pegou toda essa construção no discurso de superação e colocou em “AmarElo”, faixa título de seu novo álbum. Aqui, ele, obviamente, continua a abordar as questões raciais costumeiras de seu trabalho e apresentações. Contudo, a exploração temática é mais para o eixo de amor em uma forma geral. Seja pela amizade, carinho, reconhecimento, apoio. O amor, como mesmo diz o Pastor Henrique Vieira na abertura, “O amor é o segredo de tudo e eu pinto tudo em amarelo”.
Abrindo assim, o paulista começa a explorar as diversas relações com essa mesma questão. O objetivo é soar quase como um alento as mais diversas pessoas, uma voz de esperança. O próprio Emicida contou em entrevista ao O Globo, que “A gente teve que criar uma casca de superpoder porque tivemos a vida inteira um alvo na nossa testa e no nosso peito, na mira de uma sociedade que não tem problema nenhum em matar a gente. Quando me dou ao direito de louvar a vida, gostaria que as pessoas se conectassem com as coisas simples dela. O mais urgente a se fazer é que a música soe como um abraço”.
A consolidação desses elementos perpassam por coisas extremamente sentimentais. Não há medo algum de chamar esse CD de uma grande mesclagem – e isso, positivamente. Tem Mc Tha, Zeca Pagodinho, Fernanda Montenegro, Dona Odete e mais. Desse jeito, o abraço traçado pelo cantor na resposta ultrapassa apenas nos ouvintes, mas chega na musicalidade e na emoção. É possível, facilmente, ficar tocado com diversos pequenos versos, além de frases motivacionais. Só que não estamos tratando de algo feito para motivar, mas sim para sentir algo na qual ainda não olhamos direito. Sentir nós mesmos.
Por isso tudo ouvimos “Pequenas Alegrias da Vida Adulta” e “Quem Tem um Amigo(Tem Tudo)” e pensamos sobre as nossas trajetórias de existências. Pensamos no passado e no futuro, nas nossas relações pessoais com as mais diversas pessoas. Na nossa forma de viver cotidianamente. Em “Cananéia, Iguape e Ilha Comprida” brinca em como seu trabalho aqui abraça essa positividade no rap. Se, muitas vezes, esse gênero é remetido como algo de crítica social, além de letras mais pesadas e metafóricas, o artista não tem medo de abrir seu coração. Sob risadas, ele diz “será que o Brown passa por isso? Ou o Djonga? Ou o Rael? Sei lá, só sei que aqui é o rap e os cara aqui é mal”, para depois trazer uma musicalidade suave.
É impossível dizer que não existe algo político no meio disso, afinal estamos falando sobre a vida e ela é política. Ela aqui não é vista mais para um caminho de crítica a elite ou a classe de poder, mas sim sobre como a sociedade é construída. Uns colocando por cima dos outros e todos nascem aceitando o fato. Por isso, a necessidade de cantar sobre quase uma liberdade no meio disso tudo. Como ele diz em “AmarElo”, “Aí, maloqueiro, aí, maloqueira;
Levanta essa cabeça; Enxuga essas lágrimas, certo?; Respira fundo e volta pro ringue”.
Apesar de ás vezes soar um pouco confuso nas suas discussões temáticas, é impressionante como Emicida sabe consolidar algo bem único, bem seu. Ao mesmo tempo que também coloca uma colocação quase de uma conversa para quaisquer pessoas com dificuldades. Mesmo já tendo cantado muito de um jeito mais pesado para discutir o racismo, agora Emicida parece querer ser mais positivo. Querer, realmente, dar um abraço em cada um. Como ele fala em entrevista a Folha, “Fiz um disco para meus camaradas que estão tristes. Para o meu parceiro que tentou se suicidar. Quero que ele escute o disco e sinta calma”.
Arte da capa por Ana Paula Barbosa